São Paulo, Segunda-feira, 13 de Setembro de 1999
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MÚSICA ERUDITA
O baixo-barítono Van Dam canta repertório franco-alemão, com o pianista francês Pikulski
Cantor belga une estilos no Municipal

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

O baixo-barítono belga José Van Dam, 59, realiza nesta semana em São Paulo uma forma de recital denominada "Liederabend", palavra alemã que designa uma "noite de lied" (canção). Nesse tipo de apresentação, árias de ópera estão banidas.
Hoje, acompanhado pelo pianista francês Maciej Pikulski, o cantor faz uma primeira metade dedicada a compositores alemães -Brahms e Richard Strauss- e uma segunda com franceses -Fauré, Duparc e Ravel.
Conhecido pela plasticidade da dicção, elegância do fraseado e cuidado na entonação, ele nasceu Joseph Van Damme, em 1940. Achando o nome muito longo, abreviou para a forma atual.
Foi membro do elenco estável da Deutsche Oper, de Berlim, adquirindo notoriedade internacional com dois filmes ("O Mestre da Música", de Gérard Corbiau, e "Don Giovanni", de Joseph Losey) e por uma série de gravações com o maestro Herbert von Karajan. Van Dam falou com exclusividade à Folha por telefone, de Matsumoto (Japão), onde cantou "A Danação de Fausto", de Berlioz, sob regência de Seiji Ozawa.

Folha - Nos recitais em São Paulo, por que o sr. escolheu programa francês e alemão?
José Van Dam -
É uma coisa que eu faço habitualmente, pois falo bem ambas as línguas e amo os dois estilos. Gosto muito do "lied" alemão, mas também quero defender a canção francesa.

Folha - A técnica muda muito de um para outro?
Van Dam -
Não, é o estilo que muda. O "lied" alemão demanda mais romantismo e lirismo. Já o estilo francês é mais ligeiro, mais solto. Ambos me convêm.

Folha - A preparação para uma "Liederabend" é muito diferente da de uma ópera ?
Van Dam -
Sim. É sobretudo um trabalho de equipe com o pianista. Quando você faz canção, está muito mais próximo da música, porque, na ópera, existem a encenação, os figurinos, o cenário, os outros cantores. As pessoas vão à ópera para ouvir e ver um espetáculo. Já na "Liederabend", as pessoas vão para ouvir alguém fazer música cantada -está-se muito mais perto da essência da música, o que me agrada muito.

Folha - É possível fazer boa música em uma ópera ?
Van Dam -
Possível é, mas é difícil. Fiz muitas óperas de Mozart, que têm cenas de conjunto extraordinárias nas quais as nuanças se perdem porque você está cantando sentado, com uma orquestra, em vez de estar sozinho com um piano. Já cantei muitas óperas de Mozart e acho uma pena que o aspecto musical não seja tão respeitado quanto deveria.

Folha - O sr. foi o responsável pela criação de uma ópera contemporânea: "São Francisco de Assis", de Messiaen. Como foi a experiência?
Van Dam -
Excepcional. Também se trata de papel muito longo, porque a ópera tem pouco mais de cinco horas de música e, no papel de são Francisco, fiquei quatro horas e meia em cena. Foi muito interessante, porque eu tive a oportunidade de falar com Messiaen enquanto ele escrevia a ópera. Mesmo se tratando de música contemporânea, dá para sentir a melodia francesa.
Há duas facetas na música de Messiaen. Há uma música para voz, que é extremamente vocal, e não muito difícil de cantar; e há também a orquestra, que é muito difícil. Tudo que acontece na orquestra é muito mais difícil do que acontece no canto. Messiaen soube misturar bem as coisas e, na parte vocal, que não é tão moderna, há uma linha bastante fácil.

Folha - O sr. cantou e gravou muito com o maestro Karajan, que era tido como um "assassino de vozes". Por que ele não assassinou a sua?
Van Dam -
O problema com Karajan é que, uma vez que trabalhava com os artistas, e gostava, ele era muito fiel, e pedia que cantasse quase tudo. Karajan me pediu muitas vezes que cantasse papéis que me convinham; e também me pediu para cantar papéis que não me convinham -como Pizarro (no "Fidelio", de Ludwig Van Beethoven) e Telramund (no "Lohengrin", de Richard Wagner). Eu recusei, ele aceitou e nós continuamos a trabalhar juntos.
O problema é que havia artistas que tinham medo de dizer não a Karajan, e cantaram coisas que não eram para eles. São os cantores que assassinaram suas próprias vozes ao aceitar o que Karajan lhes propusera.
Dizer não é importante na carreira de um cantor. Digo sempre aos jovens cantores que você estabelece uma carreira mais com o não que com o sim.

Folha - O sr. possui alunos de canto?
Van Dam -
Infelizmente não. Eu adoraria ensinar a técnica de canto, mas não tenho tempo. Quem sabe mais tarde.

Folha - Mas o sr. já fez o papel de um professor de canto no cinema. Como foi sua experiência no cinema? A sincronização com o canto não é complicada?
Van Dam -
A sincronização é muito fácil para um cantor, porque a música nos ajuda muito. No filme "O Mestre da Música", por exemplo, a sincronização era mais fácil para mim do que para os outros atores, que tinham de fingir que estavam cantando.

Folha - A experiência lhe agradou?
Van Dam -
Sim, pois tive a chance de fazer dois bons filmes. Joseph Losey, o diretor de "Don Giovanni", era um homem extraordinário; e "O Mestre da Música", de Gérard Corbiau, é um bom filme romântico.

Folha - No "Don Giovanni", o sr. trabalhou com Ruggero Raimondi, ao qual é frequentemente comparado.
Van Dam -
Veja, Ruggero é um grande artista. Nós não temos o mesmo tipo de voz, nem a mesma concepção de papel. Na verdade, nossas concepções são um pouco opostas. Mas eu gosto muito de Ruggero, e as comparações não me incomodam.

Folha - Na sua juventude, quais eram os cantores que o sr. mais admirava?
Van Dam -
Nunca escutei muitas gravações. Um dos primeiros que eu admirei era o tenor sueco Jussi Björling. Depois, Leonard Warren, o barítono americano, e Corelli, que tinha uma voz extraordinária. Mas eu nunca tentei imitar ninguém. O artista tem de ter sua própria personalidade.


Concerto: José Van Dam (baixo-barítono) e Maciej Pikulski (piano)
Quando: 13 e 15 de setembro, às 21h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/n., tel. 222-8698)
Quanto: de R$ 25 a R$ 110
Patrocinadores: Schering-Plough, Siemmens, Volkswagen e Votorantim


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