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MÚSICA ERUDITA
O baixo-barítono Van Dam canta repertório franco-alemão, com o pianista francês Pikulski
Cantor belga une estilos no Municipal
IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha
O baixo-barítono belga José
Van Dam, 59, realiza nesta semana em São Paulo uma forma de
recital denominada "Liederabend", palavra alemã que designa
uma "noite de lied" (canção).
Nesse tipo de apresentação, árias
de ópera estão banidas.
Hoje, acompanhado pelo pianista francês Maciej Pikulski, o
cantor faz uma primeira metade
dedicada a compositores alemães
-Brahms e Richard Strauss- e
uma segunda com franceses
-Fauré, Duparc e Ravel.
Conhecido pela plasticidade da
dicção, elegância do fraseado e
cuidado na entonação, ele nasceu
Joseph Van Damme, em 1940.
Achando o nome muito longo,
abreviou para a forma atual.
Foi membro do elenco estável
da Deutsche Oper, de Berlim, adquirindo notoriedade internacional com dois filmes ("O Mestre da
Música", de Gérard Corbiau, e
"Don Giovanni", de Joseph Losey) e por uma série de gravações
com o maestro Herbert von Karajan. Van Dam falou com exclusividade à Folha por telefone, de
Matsumoto (Japão), onde cantou
"A Danação de Fausto", de Berlioz, sob regência de Seiji Ozawa.
Folha - Nos recitais em São
Paulo, por que o sr. escolheu
programa francês e alemão?
José Van Dam - É uma coisa
que eu faço habitualmente, pois
falo bem ambas as línguas e amo
os dois estilos. Gosto muito do
"lied" alemão, mas também quero defender a canção francesa.
Folha - A técnica muda muito
de um para outro?
Van Dam - Não, é o estilo que
muda. O "lied" alemão demanda
mais romantismo e lirismo. Já o
estilo francês é mais ligeiro, mais
solto. Ambos me convêm.
Folha - A preparação para uma
"Liederabend" é muito diferente da de uma ópera ?
Van Dam - Sim. É sobretudo
um trabalho de equipe com o pianista. Quando você faz canção, está muito mais próximo da música, porque, na ópera, existem a
encenação, os figurinos, o cenário, os outros cantores. As pessoas
vão à ópera para ouvir e ver um
espetáculo. Já na "Liederabend",
as pessoas vão para ouvir alguém
fazer música cantada -está-se
muito mais perto da essência da
música, o que me agrada muito.
Folha - É possível fazer boa
música em uma ópera ?
Van Dam - Possível é, mas é difícil. Fiz muitas óperas de Mozart,
que têm cenas de conjunto extraordinárias nas quais as nuanças se perdem porque você está
cantando sentado, com uma orquestra, em vez de estar sozinho
com um piano. Já cantei muitas
óperas de Mozart e acho uma pena que o aspecto musical não seja
tão respeitado quanto deveria.
Folha - O sr. foi o responsável
pela criação de uma ópera contemporânea: "São Francisco de
Assis", de Messiaen. Como foi a
experiência?
Van Dam - Excepcional. Também se trata de papel muito longo, porque a ópera tem pouco
mais de cinco horas de música e,
no papel de são Francisco, fiquei
quatro horas e meia em cena. Foi
muito interessante, porque eu tive
a oportunidade de falar com Messiaen enquanto ele escrevia a ópera. Mesmo se tratando de música
contemporânea, dá para sentir a
melodia francesa.
Há duas facetas na música de
Messiaen. Há uma música para
voz, que é extremamente vocal, e
não muito difícil de cantar; e há
também a orquestra, que é muito
difícil. Tudo que acontece na orquestra é muito mais difícil do
que acontece no canto. Messiaen
soube misturar bem as coisas e,
na parte vocal, que não é tão moderna, há uma linha bastante fácil.
Folha - O sr. cantou e gravou
muito com o maestro Karajan,
que era tido como um "assassino de vozes". Por que ele não
assassinou a sua?
Van Dam - O problema com
Karajan é que, uma vez que trabalhava com os artistas, e gostava,
ele era muito fiel, e pedia que cantasse quase tudo. Karajan me pediu muitas vezes que cantasse papéis que me convinham; e também me pediu para cantar papéis
que não me convinham -como
Pizarro (no "Fidelio", de Ludwig
Van Beethoven) e Telramund (no
"Lohengrin", de Richard Wagner). Eu recusei, ele aceitou e nós
continuamos a trabalhar juntos.
O problema é que havia artistas
que tinham medo de dizer não a
Karajan, e cantaram coisas que
não eram para eles. São os cantores que assassinaram suas próprias vozes ao aceitar o que Karajan lhes propusera.
Dizer não é importante na carreira de um cantor. Digo sempre
aos jovens cantores que você estabelece uma carreira mais com o
não que com o sim.
Folha - O sr. possui alunos de
canto?
Van Dam - Infelizmente não. Eu
adoraria ensinar a técnica de canto, mas não tenho tempo. Quem
sabe mais tarde.
Folha - Mas o sr. já fez o papel
de um professor de canto no cinema. Como foi sua experiência
no cinema? A sincronização com
o canto não é complicada?
Van Dam - A sincronização é
muito fácil para um cantor, porque a música nos ajuda muito. No
filme "O Mestre da Música", por
exemplo, a sincronização era
mais fácil para mim do que para
os outros atores, que tinham de
fingir que estavam cantando.
Folha - A experiência lhe agradou?
Van Dam - Sim, pois tive a
chance de fazer dois bons filmes.
Joseph Losey, o diretor de "Don
Giovanni", era um homem extraordinário; e "O Mestre da Música", de Gérard Corbiau, é um
bom filme romântico.
Folha - No "Don Giovanni", o
sr. trabalhou com Ruggero Raimondi, ao qual é frequentemente comparado.
Van Dam - Veja, Ruggero é um
grande artista. Nós não temos o
mesmo tipo de voz, nem a mesma
concepção de papel. Na verdade,
nossas concepções são um pouco
opostas. Mas eu gosto muito de
Ruggero, e as comparações não
me incomodam.
Folha - Na sua juventude,
quais eram os cantores que o sr.
mais admirava?
Van Dam - Nunca escutei muitas gravações. Um dos primeiros
que eu admirei era o tenor sueco
Jussi Björling. Depois, Leonard
Warren, o barítono americano, e
Corelli, que tinha uma voz extraordinária. Mas eu nunca tentei
imitar ninguém. O artista tem de
ter sua própria personalidade.
Concerto: José Van Dam (baixo-barítono) e Maciej Pikulski (piano)
Quando: 13 e 15 de setembro, às 21h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/n., tel. 222-8698)
Quanto: de R$ 25 a R$ 110
Patrocinadores: Schering-Plough,
Siemmens, Volkswagen e Votorantim
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