São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2001

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TEATRO

Grupo monta peça que retrata a angústia humana sob o viés social, político e artístico das gerações dos anos 60 e 70

Tapa adota "Os Órfãos de Jânio", de Millôr

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma funcionária pública, um cantor, um jornalista, uma ex-aluna do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, um barman e uma diletante, fã de Leila Diniz.
Eles ocupam um espaço comum, um bar, que poderia se chamar Ecmnésia, daquelas palavras que Millôr Fernandes faz circular de quando em vez, como na sua peça "Os Órfãos de Jânio" (80), que ganha montagem do grupo Tapa a partir de hoje, no teatro Aliança Francesa.
A ecmnésia (distúrbio de memória no qual o indivíduo esquece de tudo que se passou a partir de determinada época, mas se recorda de fatos anteriores a ela) é um dos recortes possíveis para o texto de Millôr, uma espécie de versão para "Os Filhos de Kennedy" ("Kennedy's Children"), do norte-americano Robert Patrick, traduzida pelo próprio escritor brasileiro em 75.
O diretor Eduardo Tolentino de Araújo, do Tapa, propõe uma analogia entre os dois textos. "Os personagens americanos perderam um pai legítimo, assassinado tragicamente; eles fizeram uma revolução comportamental e política por meio da contracultura, mas foram massacrados pelo grande capital", afirma.
"Já os órfãos brasileiros são sobreviventes de um pai de comédia bufa, foram massacrados de maneira concreta: quatro dos cinco personagens passaram pela prisão, com ideologias completamente diferentes", diz Tolentino.
Apesar da remissão do título ao ex-presidente Jânio Quadros (1917-92), cuja renúncia em 61 abriu espaço para o regime militar (1964-85), não se trata de peça política. Há também as perspectivas sociais, artísticas e existenciais herdadas dos anos 60 e 70 pela geração dos 80.
"Não foi só o Jânio, mas todo um modelo que ruiu, o modelo do cinema novo, da bossa nova. A gente está recolhendo os cacos disso, dessa orfandade. Acho que ainda não nos libertamos", afirma o diretor do Tapa.
Com "Os Órfãos de Jânio", o grupo dá sequência ao seu projeto Panorama do Teatro Brasileiro que, desde 95, montou autores nacionais, como Martins Penna, Oduvaldo Vianna Filho, João Cabral de Melo Neto, Nelson Rodrigues e Plínio Marcos.


Peça: Os Órfãos de Jânio Texto: Millôr Fernandes Direção: Eduardo Tolentino de Araújo Com: grupo Tapa (Clara Carvalho, Guilherme Sant'Anna, Malú Pessin, Norival Rizzo, Paulo Marcos e Sandra Corveloni) Quando: estréia hoje, às 21h; qua. e qui., às 21h; sex., às 21h30; sáb., às 22h30; e dom., às 20h30 Onde: teatro Aliança Francesa (r. Gal. Jardim, 182, Vila Buarque, tel. 259-0086) Quanto: R$ 10 (qua.), R$ 15 (qui.), R$ 20 (sex. e dom.) e R$ 25 (sáb.)

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