São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2008

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Crítica/"O Segredo do Grão"

Diretor evita paternalismo com sedução coletiva dos imigrantes

Divulgação
Cena de 'O Segredo do Grão'

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"O Segredo do Grão" é um título que esconde mais do que anuncia o quanto pode o cinema. Do original "La Graine et le Mulet" (O Grão e o Pescado), o filme de Abdellatif Kechiche, nascido na Tunísia e radicado na França desde a infância, tira seu sabor das misturas, anunciadas desde o título.
À primeira vista, trata-se de mais uma ficção sobre imigrantes, suas dificuldades de sobrevivência num país que os acolhe com restrições, as limitações materiais e o preconceito velado ou explícito. De fato, há tudo disso em "O Segredo do Grão". A grande diferença é o modo de expô-lo.
Primeiro, a maneira de narrar aparentemente desconjuntada, em que as cenas se sucedem sem estabelecer conexões rígidas de causa e efeito, como estamos habituados. Kechiche prefere registrar grandes blocos de situações, captar momentos familiares simultaneamente banais e intensos.
Subjacente a esta opção de contar a história, encontra-se a proximidade que a câmera mantém dos corpos e das faces, revelando belezas que fogem do padrão e operando deslocamentos constantes de importância de um personagem a outro. Desse modo, o filme obtém um registro coletivo em que os atores deixam de se distinguir entre principais e secundários.
No que diz respeito a estas formas, o filme de Kechiche enfatiza um naturalismo que tende a acentuar a veracidade do que ele busca expressar. Já em relação à temática, há todo um cuidado em evitar a retórica política de defesa unilateral do minoritário e do excluído tratado com paternalismos. Ao contrário das obviedades de "Do Outro Lado", filme também em cartaz e que enfoca imigrantes, "O Segredo do Grão" transmite seu engajamento sem se construir sobre oposições e confrontos étnicos e culturais, em resumo, sem ceder às facilidades da dialética de almanaque que comprometem a ficção de Fatih Akin.
Para isso, Kechiche acredita na miscigenação, na mistura que dá sabor à receita, no grão "e" no pescado. O retrato que nos propõe não eleva os valores de uma comunidade acima de outra, nem as opõe em seus interesses e lutas, nem submete uma à proteção ou à solidariedade emocional de outra.
Na longa seqüência final, concentrada durante um jantar, o cineasta expõe o regime de forças, contradições e expectativas e apazigua as "oposições" por meio de uma memorável situação de sedução coletiva. Ali, o filme alcança um multiculturalismo de fato e se torna paradigma de um cinema amplo e generoso.

O SEGREDO DO GRÃO
Produção: França, 2007
Direção: Abdellatif Kechiche
Com: Habib Boufares e Hafsia Herzi
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco Augusta, iG Cine e Reserva Cultural; 14 anos
Avaliação: ótimo



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