São Paulo, quarta-feira, 14 de outubro de 2009

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Jornal militante de Oswald e Pagu ganha reedição

"O Homem do Povo" foi pasquim político e gaiato dirigido pelo poeta modernista e a mulher, nos anos 30, em SP

Lançamento será no sábado, no museu Lasar Segall, com exibição de documentos e obras ligados à fase mais politizada do antropófago

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

O dia 9 de abril de 1931 amanheceu agitado na cidade de São Paulo. Naquela quinta-feira, um grupo de estudantes da Faculdade de Direito reuniu-se na praça da Sé para protestar e atacar a sede de um periódico anarco-comunista intitulado "O Homem do Povo", que havia publicado violenta crítica à vetusta instituição de ensino.
A afronta saíra da pena do modernista Oswald de Andrade, ele mesmo um homem proveniente da elite, formado pela escola do Largo São Francisco, que qualificava de um "cancro" a minar a sociedade paulista. Ao lado de Patrícia Galvão, a Pagu, então sua mulher, Oswald era o diretor daquele pasquim político e gaiato -que ganha agora edição fac-similar, lançada pela editora Globo em parceria com a Imprensa do Estado e o Museu Lasar Segall.
Em 1984, o "insolente papelucho" já havia sido objeto de iniciativa semelhante, com apresentação do poeta e ensaísta Augusto de Campos. A nova coleção, baseada nos oito números deixados pelo militante comunista Astrojildo Pereira, amigo do casal, republica o texto de Campos e traz artigo de Geraldo Galvão Ferraz, filho de Patrícia. É publicada também uma carta inédita enviada "à camarada Pagu" por uma assídua leitora do jornal.

Lançamento
O lançamento vai acontecer no sábado, com a abertura de uma exposição no museu Lasar Segall -com curadoria da pesquisadora Gênese Andrade.
O ataque dos estudantes à sede de "O Homem do Povo", que ficava no Palacete Rolim, no número 9 da praça da Sé, repetiu-se na segunda dia 13 de abril. Os incidentes foram acompanhados pela imprensa.
"Um justo revide dos estudantes de direito contra os ataques de um antropófago" -foi a manchete da "Folha da Noite" do dia 9, que fazia referência à antropofagia, a "filosofia do primitivo tecnizado", desenvolvida alguns anos antes pelo poeta que lançou, em 1928, o "Manifesto Antropófago".
Os jornais narraram "a depredação nos escritórios da redação" e a providencial intervenção da polícia, que impediu o iminente linchamento dos diretores. No dia 13, Oswald voltara ao ataque em novo artigo, com seu humor ferino: "A grande manifestação de pensamento que produziu até hoje a Faculdade de Direito foi o trote".
Segundo a "Folha da Noite", no segundo dia de manifestação, Pagu surgiu inesperadamente à porta do prédio -e, para espanto geral, "vinha armada com revólver, com o qual fez dois disparos em direção aos estudantes". Ela teria, ainda, atacado manifestantes a unhadas enquanto era conduzida com Oswald para a central de polícia -e o jornal tinha sua breve carreira encerrada.

Romance
O lançamento de "O Homem do Povo" é um marco na fase politizada de Oswald. Numa época de rompimentos, inclusive com velhos amigos, filiou-se ao Partido Comunista, puxado pela nova e sedutora companheira, que posteriormente veio a ser presa e sofrer violências no cárcere.
Quando "O Homem do Povo" foi lançado, Oswald tinha 41 anos de idade e Pagu, 21. O romance teve início quando ele ainda era casado com a pintora Tarsila do Amaral. Foi o poeta Raul Bopp quem apresentou a então jovem normalista ao casal "Tarsiwald" -como foi apelidado por Mário de Andrade. Pagu tornou-se amiga de ambos e acabou nos braços do antropófago.
Segundo a curadora Gênese Andrade, que assina o catálogo da mostra, quando Tarsila faz sua primeira exposição individual brasileira, no Rio, em julho de 1929, "o antropófago e a normalista já haviam iniciado uma relação amorosa".
O fato está registrado em uma espécie de diário do novo casal, intitulado "O Romance da Época Anarquista. Livro das Horas de Pagu que São Minhas". O caderno de anotações estará exibido numa vitrine, no Lasar Segall -e 13 de suas páginas serão projetadas num monitor de vídeo.

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