São Paulo, segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010 |
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Crítica/"Abracadabra" Ousadia de Päetow dispersa o público
LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA O teatro pode tudo, inclusive negar-se a impactar o público. "Abracadabra", criação do ator, dramaturgo e encenador Luiz Päetow, inscreve-se na tradição modernista de uma cena em que todos os recursos são minimizados de modo a afetar pela negação de qualquer efeito. Mas a ousadia do intento, interessante em si, não garante sua consumação. O espetáculo começa com a entrada do público, às escuras, na sala principal do teatro Anchieta. Todos recebem lanternas preparadas, com o foco de luz reduzido para não conspurcar demais a escuridão. Ruídos de martelo na cabine de luz prolongam-se tempo suficiente para oferecer uma percepção inédita do espaço às lanternas, que, em busca de referências, exploram teto e paredes. Quando já se tornou evidente que a leitura não será facilitada, do fundo do palco emerge uma voz. O ator revela apenas sua cabeça saindo de uma caixa, como um antigo "ponto" que despertasse de um sono secular. A situação e o texto que é enunciado parecem, a princípio, beckettianos, mas logo virão outros ritmos e timbres, numa avalanche de palavras assonantes que evocam Artaud e a fuga a qualquer sentido estável. Agora um corpo já aparece inteiro e avança pelo palco mal distinguido. O tema recorrente é a visão, ou seu impedimento. Alguns espectadores, tornados agentes cruciais da operação, com o poder de iluminar ou não o ator que se revela diante deles, desligam as lanternas e decidem experimentar o escuro. Outros, tomados de ansiedade, não param de manipular nervosamente o foco por todos os cantos do indefinido espaço cênico. As atitudes contraditórias colaboram na desconcentração frente ao que se apresenta, ou se esconde, e tornam ruído o que se propunha como palavra encantada. Nessa paradoxal turbulência de luzes no breu, agravada em alguns momentos pela projeção gaiata de formas sombreadas no revestimento de mármore da sala, configura-se o fracasso da proposta do encenador. Tornado elemento decisivo na produção do espetáculo, ou na sua negação, o público de fato se alheia da densidade filosófica e poética pretendida pelo criador no texto do programa, sobrando-lhe essas distrações e diversões menores. Luiz Päetow tem o mérito de outros experimentos radicais, mas desta vez sua tentativa, cujo título sugere uma palavra mágica, não moveu a pedra que fechava a caverna. ABRACADABRA Quando: hoje e seg., dia 22, às 21h Onde: Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 3234-3000 Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10 Classificação: 16 anos Avaliação: regular Índice |
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