São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Crítica/"Aproximação"

Mérito de filme é ter questões insolúveis

Drama do israelense Amos Gitai em cartaz em São Paulo mostra conflito familiar em assentamento judeu na faixa de Gaza

Divulgação
Em "Aproximação", Juliette Binoche interpreta Ana, mulher europeia e palestina que vai à faixa de Gaza para encontrar sua filha

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A que mundo pertence Ana (Juliette Binoche)? Ela é europeia e palestina. Tem em Uli (Liron Levo) um irmão adotivo franco-israelense. Ana se encontra em Avignon, França, para os funerais do pai. Sua intenção de livrar-se da herança passando-a para Uli esbarra no testamento paterno: a herança deve ir para a neta.
Ora, esta vive no momento em um assentamento judeu na faixa de Gaza, prestes a ser restituído aos palestinos. É para lá que os irmãos Ana e Uli devem se dirigir. Apenas a enunciação das relações envolvidas em "Aproximação" dá uma ideia da complexidade dos elementos que transitam por este filme de Amos Gitai.
Estamos, de certa forma, no centro do mundo e mais distantes dele do que nunca. Israel e Palestina são o centro bélico mundial de nossos dias, de onde parecem se irradiar todos os demais conflitos.
Ao mesmo tempo, o esgarçamento das relações interpessoais, as dificuldades e dilacerações envolvidas nesse processo. Aqui Gitai trata de várias distâncias: as que vão do israelense ao palestino, mas também do habitante do Oriente Médio ao da Europa.
Existe uma espécie de dispersão incontível, verificável, por exemplo, na separação meio inexplicável, mas efetiva entre a mãe, Ana, e a filha: por que uma se afasta da outra por longo tempo? Por que a jovem vai acabar num assentamento de religiosos em Israel, enquanto a mãe leva uma vida perfeitamente laica na Europa?
São perguntas que permanecerão, a rigor, sem resposta. Digamos que um dos principais méritos do filme, aliás, talvez seja este mesmo: dispô-las numa tela de maneira quase silenciosa e deixar que estalem, que se manifestem plenamente, que deem a ver tudo de incompreensível, talvez insuportável, que se passa no Oriente Médio.
Mais tarde o insuportável revela-se também inexplicável: tão logo chegamos a Israel, aos assentamentos, e assistimos à retirada israelense, com os religiosos sendo levados à força para fora do território palestino. Esse é o momento da aproximação. Estranha aproximação: marca um momento (fugaz) de distensão nas relações entre os dois povos em conflito, ao mesmo tempo em que acirra os conflitos internos em Israel, em lugar de pacificá-los. A imagem final, de perda e de desespero -de uma perda e um desespero que também não chegamos a entender muito bem-, fecha de forma precisa este filme em que o Oriente Médio parece chegar a um momento em que um cineasta como Gitai se mostra muito mais disposto a (ou em condições de) manifestar sua perplexidade agônica diante do infindável conflito do que a buscar saídas e explicações.


APROXIMAÇÃO

Avaliação: bom




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