São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2004

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Butô à brasileira

Tadashi Endo dirige "Shi-Zen - 7 Cuias", espetáculo do grupo Lume no qual funde culturas distintas

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O som do maracatu funde-se ao rap que emenda um forró. Corpo e música harmonizam na diversidade da cultura brasileira, japonesa e universal em "Shi-Zen - 7 Cuias", o novo espetáculo do grupo Lume, assinado pelo coreógrafo convidado de dança butô Tadashi Endo.
"Shi-Zen - 7 Cuias" ("shi", indivíduo + "zen", por exemplo = natureza) teve estréia internacional na 8ª edição do Mamu International Butoh Festival, em janeiro deste ano, em Göttingen (Alemanha). O primeiro encontro do Lume e Endo aconteceu em 2002, quando o coreógrafo fez um workshop em Campinas.
O espetáculo cumpre temporada no Sesc Belenzinho a partir de sábado. Hoje, Endo faz uma palestra-demonstração de seu processo no local. Amanhã, ele apresenta o solo "Kara da Kara".
A seguir, trechos da entrevista com Endo.
 

Folha - Como foi a sua experiência de casar o butô com o corpo brasileiro?
Tadashi Endo -
Antes de mais nada, devo dizer que eu mesmo me perguntei o que representava o Brasil para mim. Num primeiro momento, as respostas que surgiam eram relacionadas a aspectos triviais: Brasil, clima agradável, boa comida e pessoas muito gentis. Em seguida, me vinha em mente o temperamento brasileiro, muito diferente para mim. O que me chamava a atenção e o que os meus olhos viam era o excesso na corporeidade, o tempo todo ação, o tempo todo algum movimento para algum lugar ou em função de algo; o tempo todo. Nunca havia silêncio, quietude ou imobilidade. Então o tempo todo havia alguma "música". Isso é agradável de ver, e eu aprecio, me dá prazer. Mas, quando eu ministrei um workshop pela primeira vez no Brasil, em 2002, percebi, no decorrer do trabalho, o quanto as pessoas se concentravam e, então, surgiram, e eu pude perceber, nuanças absolutamente diferentes da imagem primeira que eu tinha dos brasileiros. Então eu pensei: sim, talvez algum sentimento de melancolia ou tristeza haja por por trás do temperamento repleto de movimentos energéticos.
Pensei: ao trabalhar com o Lume, eu devo criar não sobre a linha básica do butô, não uma peça de butô, eu devo criar simbolismos pessoais para cada um dos intérpretes. A corporeidade brasileira, ou a corporeidade japonesa, ou norte-americana, ou alemã, hoje, têm muitas semelhanças.

Folha - A parceria com o Lume (a dança e o teatro de outra cultura) é própria da natureza do butô, dessa arte que está "entre", que é o "ma". Como o sr. define, uma arte que não enxerga fronteiras?
Endo -
Sobre este tema fundamental em meu trabalho: o "butô ma", o "estar entre", é, evidentemente, muito importante para mim e está diretamente conectado com minha vida, porque minha vida é "estar entre". Eu nasci em Pequim, com cidadania japonesa. Fui para a Europa, como japonês. Vivo atualmente na Alemanha, mas o que faço (a minha criação artística) não é fruto da cultura alemã ou européia, e sim da experiência, do conhecimento e da vivência da cultura japonesa.

Folha - E quanto à música? O que achou da fusão com ritmos brasileiros?
Endo -
Pedi aos atores que cantassem algumas canções daqui. Uma delas, embora eu não tivesse entendido absolutamente nada da letra, me encantava melodicamente. Essa canção me remetia a algo, não exatamente japonês, mas algo relacionado à minha infância. Ao tomar conhecimento do que dizia a letra, fiquei muito surpreso, pois era exatamente o que eu buscava: a imagem de um pássaro cego ["Assum Preto", por Luiz Gonzaga].


TADASHI ENDO - Palestra-demonstração. Quando: hoje, às 15h (grátis). Espetáculo "Kara da Kara". Quando: amanhã, às 19h. Quanto: R$ 15. Onde: Sesc Belenzinho - teatro (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6602-3700).

SHI-ZEN - 7 CUIAS - Quando: estréia no sábado, às 19h; sáb. e dom., às 19h. Com: Lume (Ricardo Pucetti, Carlos Simione, Ana Cristina Colla, Naomi Silman, Raquel Scotti Hirson, Jesser de Souza e Renato Ferracini). Quanto: R$ 15. Onde: Sesc Belenzinho.



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