São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2010

Próximo Texto | Índice

Crítica

Dezsö Ránki abre temporada com espetáculo de alto nível

Pianista húngaro mostra maturidade ao interpretar Haydn, Schumann e Liszt

Zanone Fraissat/Folha Imagem
Recital do pianista húngaro Dezsö Ránki na Sala São Paulo

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Se Haydn (1732-1809) preparou o terreno para Beethoven (1770-1827), Schumann (1810-1856) e Liszt (1811-1886) inventaram saídas para os impasses de seu legado. O pianista húngaro Dezsö Ránki, porém, nem precisou tocar Beethoven para mostrar tudo isso no concerto de abertura da temporada da Sociedade de Cultura Artística, anteontem na Sala São Paulo.
Nascido em 1951, Ránki tem se apresentado em São Paulo periodicamente desde 2000, quando fez o "Concerto nº 2", de Liszt, com a Sinfônica de Praga. Voltou em duo com Edit Klukon (com quem apresentou em 2003 uma memorável "Sonata para dois pianos e percussão", de Bartok) e foi um dos solistas da Osesp na turnê europeia de 2007 (atuando no "Concerto nº 2", de Bartok). Mas o programa apresentado terça-feira -da forma como foi tocado- surpreende e supera os anteriores, e já é candidato a um dos melhores espetáculos desta temporada.
Catalogada como última sonata de Haydn, a "Hob. XVI/ 52" já coloca em perspectiva o estilo clássico: separa gestos, desmonta figuras. E Ránki enfatiza a orquestração que subjaz nessa escrita pianística, como as "trompas" que emanam do segundo tema, ainda no primeiro movimento.
Ao atacar a "Fantasia" op. 17 de Schumann (dedicada a Liszt), o som já era outro: é como se todo o Beethoven tivesse passado em um segundo, no intervalo entre o acorde de mi bemol que fecha a sonata e a figuração em semicolcheias que abre a fantasia. Aqui o "pianismo" parece tentar ocultar a escrita coral -que define Schumann e abre caminho para Brahms-, mas o modo como Ránki conecta as seções desfaz o efeito: a grande fantasia também sai de um encadeamento de acordes, a harmonia que sustenta o edifício.

Liszt
E ainda tinha a "Sonata" em si menor de Liszt (dedicada a Schumann), um dos pontos máximos do repertório: meia hora de música sem interrupção, que passou em um instante para quem se deixou levar. Sem abrir mão do virtuosismo -antes condição para a transcendência do que celebração do espetáculo-, Liszt evita o estilo rapsódico que caracteriza em geral a sua escrita e amarra o longo discurso com coerência e economia. No recital, o pianista húngaro parecia trazer as notas repetidas de longe, como se saíssem mesmo do último movimento da sonata de Haydn.
Um repertório como esse exige "dedos" e "maturidade": na verdade, "muitos dedos" e "muita maturidade". Dezsö Ránki tem os dois, mas o que comove em sua arte é ainda outra coisa: a concentração, a entrega, a submissão total às obras. É bonito ver o modo despojado como ele trabalha para construir cada frase sonora.


SOCIEDADE DE CULTURA ARTÍSTICA

Avaliação: ótimo



Próximo Texto: Música: Sesc Pompeia recebe Vitor Ramil e Jonathan Richman
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.