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CINEMA/"O PRÍNCIPE"
Arte da história e do invisível preenche o filme
Divulgação
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Os atores Eduardo Tornaghi e Márcia Bernardes em cena do filme "O Príncipe", com direção do cineasta Ugo Giorgetti, que está em cartaz nos cinemas de São Paulo |
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Os filmes de Ugo Giorgetti
visam habitualmente um
país em transformação permanente e frenética, o Brasil, e impõem uma sutil, embora intransponível distância, entre o que se
vê e o que não se vê.
Essa distância existe em "Sábado", história de um velho palacete
transformado em pardieiro pela
deterioração do centro de São
Paulo. Ou em "Festa", onde três
artistas conversam à espera do
momento de se apresentar numa
festa que nunca veremos.
Isto é: seja pela ação do tempo,
seja pela do espaço, o que conta
nos filmes de Ugo Giorgetti é menos o que está em cena do que a
distância sutil entre o que se vê e o
que não se vê.
Este é também o princípio de "O
Príncipe", em que um homem
(Eduardo Tornaghi) volta ao Brasil após mais de 20 anos na Europa. Já na chegada, ao entrar na Vila Madalena, pergunta ao chofer
do táxi se não errou de rua.
Esta é a primeira e mais superficial das mudanças de que trata o
filme. A transformação "O Príncipe" diz respeito antes de tudo às
pessoas. E pessoas não existem
sem seus lugares. Não será por
acaso que um velho jornalista
(Otávio Augusto) se postará aos
berros (melancólicos), diante das
ruínas do antigo Paribar, na praça
Dom José Gaspar, atrás da Biblioteca Municipal, ela também reduzida à ruína de uma cidade que
perdeu seu centro.
O que o filme de Giorgetti nos
transmite nessa cena não é a sensação aparente de mudança, mas
a de distância entre a juventude
de um homem e sua maturidade,
entre os sonhos que partilhou
com uma geração e a corrosão
que o tempo lhes impôs.
Os demais encontros criam a
percepção de que o tempo impõe
uma espécie de dolorosa decalagem: como se o protagonista tivesse se tornado a foto não descolorida (longe disso), mas desfocada de si mesmo.
Essa decalagem é desdobrada
no filme pelo efeito espacial. Viver
fora por longo tempo, sabemos,
implica, ao retornar, um inevitável estranhamento. E não é o menor dos méritos de "O Príncipe"
fazer com que olhemos coisas que
nos são familiares (teatro Alfa,
Bom Retiro etc.) com os olhos do
protagonista: como se nos fossem
ligeiramente estranhas.
É a possibilidade de partilhar
com o protagonista esse hiato que
ele experimenta intensamente
que fazem de "O Príncipe" um filme da história. Pois o que é a história senão a constatação desse
hiato, o reconhecimento da impossibilidade de apreender inteiramente um fato, um momento,
uma época, uma pessoa e, simultaneamente, o esforço de apreender tudo isso?
No caso, trata-se de indagar o
que nós fomos, no que nos tornamos, o que aconteceu conosco,
com o Brasil, com São Paulo.
Existe uma segunda e não menos relevante trama no filme: a de
um professor de história que
enlouquece e passa a pregar a formulação de uma história imaginária. Passemos por ela, que mereceria artigo à parte. O essencial,
no caso, é que esse personagem
introduz uma outra idéia no filme: a de que a própria realidade
contém um núcleo de irrealidade
que nos arrasta.
Ela é sintomática da sutileza a
que chegou o pensamento desse
cineasta, do qual é impossível dissociar seu parti-pris formal, em
que o despojamento nos coloca
com mais clareza diante desses
pequenos, porém vertiginosos
abismos do dia-a-dia.
O Príncipe
Produção: Brasil, 2002
Direção: Ugo Giorgetti
Com: Eduardo Tornaghi, Bruna
Lombardi e Ricardo Blat
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