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CINEMA
"A Casa Caiu" tem o mérito de escancarar preconceitos
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Existe algo de corajoso nas
comédias vulgares, assumidamente apelativas. Elas se baseiam na simplificação máxima
dos personagens, no humor físico
e em situações básicas que não
têm nenhum compromisso com a
verossimilhança. De certa forma,
vão contra os padrões do bom
gosto cinematográfico.
Veja só a trama de "A Casa
Caiu", filme de Adam Shankman
("O Casamento dos Meus Sonhos", 2001) em cartaz em São
Paulo: Peter Sanderson (Steve
Martin), um advogado divorciado, corresponde-se pela internet
com uma suposta advogada loira
e esbelta.
Eles marcam um encontro, na
casa dele, mas quem aparece é
uma mulher negra e rechonchuda, que vinha enganando-o com
textos brilhantes sobre legislação
criminal. Na verdade, Charlene
(Queen Latifah, do musical "Chicago") aprendeu os segredos dos
tribunais enquanto esteve presa
por assalto à mão armada.
Charlene quer que o amigo de
"chat" a ajude a reabrir seu caso.
Ela jura que é inocente e insiste
que seu nome fique limpo na justiça. Tem, aparentemente, uma
causa mais do que justa, e usa toda sorte de artimanhas para convencer o advogado a ficar de seu
lado.
Ele, no entanto, faz tudo para
expulsá-la de sua vida e só volta
atrás movido pela vergonha do
escândalo que seria se sua correspondência com uma mulher negra e ex-presidiária viesse à tona.
Peter acaba topando até que
Charlene vá morar em sua casa,
onde ela acaba passando como
babá de seus filhos.
Preconceito
A situação é tão improvável e
preconceituosa quanto verdadeira: ao mesmo tempo em que força
a barra para criar uma convivência totalmente irreal entre os personagens, em nenhum momento
o filme forja uma convivência racial pacífica na América em nome
do politicamente correto.
Desfilam, em cena, os piores
preconceitos, os personagens
mais reacionários. Peter, por
exemplo, tem uma vizinha que a
certa altura do filme afirma ter
ouvido "negrolês" nas redondezas. Sua cunhada só pensa em fisgar homens velhos e ricos para
abocanhar suas heranças. E sua
principal cliente (Joan Plowright)
foi criada por ex-escravos e deles
aprendeu alguns "spirituals", que
ela canta à mesa numa das boas
cenas do filme.
Burocrata
Todo esse painel de exploração
dos preconceitos, às vezes disfarçado de "denúncia", é orquestrado por Shankman, ex-coreógrafo
alçado à condição de cineasta.
Shankman não ajuda, mas também não atrapalha. Ele é o típico
diretor da Hollywood atual, um
burocrata da imagem que filma
roteiros pré-fabricados com cartilhas consideradas infalíveis.
Apesar de tudo isso, "A Casa
Caiu" faz rir. Steve Martin não é
um comediante desprezível, e
Queen Latifah não fica muito
atrás. Juntos, os dois funcionam
muito bem. E, talvez, os estereótipos que os dois encarnam transpirem mais verdade sobre a sociedade americana do que outros filmes politicamente mais corretos.
A Casa Caiu
Burning down the House
Produção: EUA, 2003
Direção: Adam Shankman
Com: Steve Martin, Queen Latifah,
Eugene Levy
Quando: nos cines Extra Anchieta,
Metrô Tatuapé, Villa-Lobos e circuito
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