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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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CINEMA

"A Casa Caiu" tem o mérito de escancarar preconceitos

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Existe algo de corajoso nas comédias vulgares, assumidamente apelativas. Elas se baseiam na simplificação máxima dos personagens, no humor físico e em situações básicas que não têm nenhum compromisso com a verossimilhança. De certa forma, vão contra os padrões do bom gosto cinematográfico.
Veja só a trama de "A Casa Caiu", filme de Adam Shankman ("O Casamento dos Meus Sonhos", 2001) em cartaz em São Paulo: Peter Sanderson (Steve Martin), um advogado divorciado, corresponde-se pela internet com uma suposta advogada loira e esbelta.
Eles marcam um encontro, na casa dele, mas quem aparece é uma mulher negra e rechonchuda, que vinha enganando-o com textos brilhantes sobre legislação criminal. Na verdade, Charlene (Queen Latifah, do musical "Chicago") aprendeu os segredos dos tribunais enquanto esteve presa por assalto à mão armada.
Charlene quer que o amigo de "chat" a ajude a reabrir seu caso. Ela jura que é inocente e insiste que seu nome fique limpo na justiça. Tem, aparentemente, uma causa mais do que justa, e usa toda sorte de artimanhas para convencer o advogado a ficar de seu lado.
Ele, no entanto, faz tudo para expulsá-la de sua vida e só volta atrás movido pela vergonha do escândalo que seria se sua correspondência com uma mulher negra e ex-presidiária viesse à tona. Peter acaba topando até que Charlene vá morar em sua casa, onde ela acaba passando como babá de seus filhos.

Preconceito
A situação é tão improvável e preconceituosa quanto verdadeira: ao mesmo tempo em que força a barra para criar uma convivência totalmente irreal entre os personagens, em nenhum momento o filme forja uma convivência racial pacífica na América em nome do politicamente correto.
Desfilam, em cena, os piores preconceitos, os personagens mais reacionários. Peter, por exemplo, tem uma vizinha que a certa altura do filme afirma ter ouvido "negrolês" nas redondezas. Sua cunhada só pensa em fisgar homens velhos e ricos para abocanhar suas heranças. E sua principal cliente (Joan Plowright) foi criada por ex-escravos e deles aprendeu alguns "spirituals", que ela canta à mesa numa das boas cenas do filme.

Burocrata
Todo esse painel de exploração dos preconceitos, às vezes disfarçado de "denúncia", é orquestrado por Shankman, ex-coreógrafo alçado à condição de cineasta.
Shankman não ajuda, mas também não atrapalha. Ele é o típico diretor da Hollywood atual, um burocrata da imagem que filma roteiros pré-fabricados com cartilhas consideradas infalíveis.
Apesar de tudo isso, "A Casa Caiu" faz rir. Steve Martin não é um comediante desprezível, e Queen Latifah não fica muito atrás. Juntos, os dois funcionam muito bem. E, talvez, os estereótipos que os dois encarnam transpirem mais verdade sobre a sociedade americana do que outros filmes politicamente mais corretos.


A Casa Caiu
Burning down the House
  
Produção: EUA, 2003 Direção: Adam Shankman Com: Steve Martin, Queen Latifah, Eugene Levy Quando: nos cines Extra Anchieta, Metrô Tatuapé, Villa-Lobos e circuito



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