São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO"

Peça faz Shakespeare subir o morro à vontade e se iluminar

Maurício Grecco/Divulgação
Cena do espetáculo "Sonho de uma Noite de Verão", adaptação de texto de William Shakespeare pelo grupo carioca Nós do Morro


DO CRÍTICO DA FOLHA

No Vidigal tem uma turminha de bamba que não se assusta com os desafios de Shakespeare. Com um histórico de resistência cultural que vem de bem antes da atual guerra civil, o grupo que se criou por lá, o Nós do Morro, além de representar o Brasil no mundo através da participação no filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, criou uma produção própria em teatro e cinema, atraindo grandes profissionais da área que se tornaram professores/mentores, além de um selo de qualidade da Unesco e vários prêmios.
Não surpreende assim a ousadia de montar "Sonho de uma Noite de Verão" para comemorar os 18 anos do grupo. Já houve, aliás, um "Hamlet" em 1997, na origem de um intercâmbio com o Conselho Britânico, que garante desde então aulas com gente da Royal Shakespeare Company, como Cecile Berry.
Por isso, ao adaptar a peça, Luiz Paulo Corrêa e Castro não precisou facilitar o texto. Cíntia Rosa e Rosana Barros, as enamoradas Hérmia e Helena, estão desenvoltas com a densidade poética de seu texto, enquanto que Roberta Santiago, com agilidade e malícia, faz um Puck antológico, e a verve de André Santinho, impagável na máscara de burro, tira de letra o Bottom.

"Intromissão"
Apesar de manter integralmente a história original, o espetáculo se apresenta como "uma intromissão no mundo de Shakespeare", devido sobretudo a uma piada interna do grupo: os atores amadores que batalham para se apresentar na corte -paralelo inevitável com a própria história do Nós do Morro- são os catadores de lixo do "Burro sem Rabo", sucesso anterior da companhia carioca.
Essa reciclagem de referências está presente no cenário de Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque, uma floresta de garrafas e marmitas que torna o precário refinado, e o figurino de Jefferson Miranda e Flávio Graff, de um luxo que Joãosinho Trinta preconiza.
Algumas soluções ainda se prendem às origens no teatro vocacional: apesar de bem resolvida tecnicamente, a duplicação de personagens em vários atores se justifica só pelo desejo de não descartar ninguém; e muitos cacos do texto se perdem longe de casa.
Em respeito ao esforço dos atores de irem além dos limites da comunidade, é preciso ressalvar que há ainda trabalho a ser feito na dicção e que se embaraçam com o figurino. Mas, quando Eunice Conceição puxa o samba de Pedro Luís, o sonho do fundador Guti Fraga enfeitiça a todos: à vontade, Shakespeare sobe o morro e se ilumina. (SSC)


Sonho de uma Noite de Verão - Uma Intromissão do Grupo Nós do Morro no Universo de Shakespeare
   
Texto: William Shakespeare
Direção: Fernando Mello da Costa
Com: grupo Nós do Morro
Onde: Augusta (r. Augusta, 943, Consolação, tel. 3151-4141)
Quando: sex. e sáb., às 21h; e dom., às 19h; até 31/10
Quanto: R$ 30



Texto Anterior: "Quarto 77": Casal busca a si mesmo em quarto
Próximo Texto: Multimídia: Ativismo da décima Temp invade galpão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.