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CINEMA/CRÍTICA
Dimensão trágico-religiosa dada a personagens e seu universo por imagem e som elevam o longa
"Carandiru" é pesadelo e caricatura do país
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma das inúmeras abordagens suscitadas por "Carandiru" é a da sobreposição, na textura do filme, de duas dimensões:
a social e outra que podemos chamar de religiosa ou moral.
No primeiro caso, trata-se de
mostrar o que o presídio tem de
microcosmo do país. Tudo o que
existe fora dele -o trabalho, o comércio, a religião, o lazer, o sexo,
o crime- existe dentro, só que de
modo condensado e deslocado.
Por força disso, o Carandiru é
como um pesadelo sobre o país,
ou, antes, uma caricatura.
Duas sequências são exemplares dessa idéia: a do jogo de futebol e a do casamento entre Sem
Chance (Gero Camilo) e o travesti
Lady Di (Rodrigo Santoro).
Em torno de um campo enlameado, presos maltrapilhos e solenes entoam o hino nacional, numa pungente paródia de uma
partida de seleção brasileira.
Igualmente paródico é o casamento homossexual, com a noiva
de véu e grinalda, o noivo de terno, "madrinhas" chorando etc.
Assim como o travesti é uma caricatura da mulher, por acentuar
exageradamente seus traços femininos, as relações humanas na cadeia exacerbam, analogamente, a luta selvagem que caracteriza a vida fora das grades.
Mas o que eleva o filme a um plano mais inquietante e irredutível é a dimensão trágico-religiosa conferida aos personagens e seu
universo por um cuidadoso trabalho de imagem e som.
Proliferam os signos, de raiz judaico-cristã, de martírio e redenção, luz e trevas, dúvida e culpa.
Um exemplo entre muitos é o da
escada lavada primeiro pela água,
depois pelo fogo, depois pelo sangue e novamente pela água.
Água e fogo são centrais em
"Carandiru". Basta pensar na história das duas mulheres de Majestade, ligadas pelo fogo, ou na relação entre Zico e Deusdete, marcada pela água.
O recurso frequente à contraluz
é um modo de sublinhar, por um
lado, o contraste entre o dentro e
o fora do cárcere, e, por outro, a
estreita linha de claridade que separa cada indivíduo das trevas. É
o magistral trabalho com a luz
que unifica as duas faces de "Carandiru", a social e a outra, difícil
de nomear.
Avaliação: 
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