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CINEMA EM CARTAZ
Titanic navega por todas as formas de mídia
NINA HORTA
especial para a Folha
Depois que afundou de verdade
em 1912, o navio Titanic vem navegando por todas as mídias, por dezenas de filmes e de livros. Ressuscitou a partir dos anos 50, com um
filme de Hollywood, e, em 1955,
com um livro que se fez um best
seller. Tornou-se, então, um fenômeno comercial para ninguém botar defeito. Voltou com tudo a partir de 1985, ao ser redescoberto no
fundo do mar.
Em cada uma dessas visitas, aparece transformado, revisto por estéticas e ideologias da época, espelhando um mundo novo. Agora,
apresenta-se para nossa análise e
mais para nosso entretenimento
em documentários, CD-ROMs,
Internet, um musical na Broadway, videogames, um livro de cozinha, um filme caríssimo.
Algumas dessas manifestações,
artísticas ou não, relacionadas ao
assunto, afundam velozmente,
outras conseguem manter a cabeça fora d'água.
Ultimamente, quem fez água e
não deixou traço foi o livro de cozinha "Last Dinner on the Titanic" (Último Jantar no Titanic),
com a derradeira refeição de canapés, ostras à la Russe, pato ao Calvados e éclairs de chocolate.
O musical "Titanic", na Broadway, foi anunciado com cartazes
da proa iluminada de um navio e
os dizeres: "Em 1912, deixou a Inglaterra em direção a Nova York e
à história. Chega na primavera".
A crítica caiu de pau antes da estréia. Uma viagem que mata 1.500
pessoas é uma pobre desculpa para
se cantar e dançar. Só muito talento para conseguir que um tema assim desse samba, mas formaram-se filas nas bilheterias.
Acontece que o Titanic é um navio ou um desastre com muito carisma. Ninguém se lembra do Andrea Doria ou de grandes catástrofes de avião pelo nome. O Titanic
afundou só uma vez, mas continua
a fazer onda por onde quer que vá,
com audiência certa, uma metáfora sempre adequada ou uma boa
história triste.
O livro "A Night to Remember"
(Uma Noite para se Lembrar), de
Walter Lord (1955), a bíblia do desastre, nunca parou de ser editado
e ele comenta: "Para os historiadores, é o espelho do começo deste
século. Para os aficionados náuticos, é o maior desastre já ocorrido.
Para estudantes da natureza humana, é um laboratório quase
sempre fascinante. Para os nostálgicos, é a atração do passado. E é
também tudo aquilo que poderia
ter sido".
Em 1996, o escritor Steven Biel
analisou o microcosmos do Titanic com os vários significados culturais da catástrofe, em "Down
With the Old Canoe". A época romântica eduardiana teria projetado no navio todos os conflitos da
época. A certeza de que a ciência
estaria resolvendo os conflitos da
humanidade, as lutas de classes
(dos porões e casas das máquinas
escaldantes como o inferno, ao luxo da primeira classe), a questão
dos imigrantes, os direitos da mulher, o consumismo explícito, tudo cabe no universo do Titanic.
Na Internet, o navio corta as
águas em sites da universidade de
Liverpool, sites das exposições dos
destroços, listas de passageiros,
em associações de preservação de
sítios marítimos e mais e mais.
E agora, o novo filme, que estreou na sexta.
Li uma crítica de Anthony Lane
sobre o filme. Resenha boa, suculenta, daquelas que quase dispensam que se assista o filme, e me interessei. O crítico de cinema da revista "New Yorker" acha que o
diretor James Cameron fez um trabalho realmente muito bom. Uma
história de Romeu e Julieta com
um fundo perfeito e estupendo.
"No final do século, Cameron está
empurrando o cinema, tal como
Griffith fez no começo, apostando
no espetacular, ultrapassando o
intelecto e mirando o umbigo, as
vísceras do espectador."
Filmes antes do filme
Tentei me localizar no tempo e
no espaço, num fim-de-semana,
preparando-me para assistir o
"Titanic" da nossa década. Na locadora 2001, achei o filme clássico
do desastre, "Somente Deus por
Testemunha" ("A Night to Remember", Roy Baker, 1958). Estava catalogado como aventura.
"Some adventure", com diriam
os americanos. É bom. É a versão
filmada da bíblia dos aficionados:
"A Night To Remember", de
Walter Lord, que cobriu quase todos os ângulos da tragédia. Eles
têm também o hollywoodiano
"SOS Titanic", com Barbara
Stanwick, mas não estava disponível.
Na Hobby Video aluguei o interessante documentário "Os Segredos do Titanic", de 1986, e
mais o que havia de filmes de James Cameron: "O Exterminador
do Futuro" (1985). Bom. "Aliens,
o Resgate" (1986). Chato. "O Segredo do Abismo" (1989). Cruzes!
"True Lies" (94). Quase ótimo,
não fossem os excessos do diretor.
Vendo os filmes de Cameron,
percebi na hora que o diretor já
nasceu com o roteiro de "Titanic"
tatuado no cérebro. Seus filmes,
principalmente "Segredo do
Abismo", são como exercício prévio para filmar o Titanic que morava nos seus ossos. Um pega prá
capar, granadas caindo no seu colo, jamantas te achatando na parede, explosões, horrores que só aumentam, ação vigorosa repetida à
exaustão, o beco sem saída assaltando em cada fim de corredor,
uau! O que teria ele para inventar
em "Titanic"? Nada. O script estava pronto havia quase um século.
Fui buscar paz no documentário,
feito pela National Geographic, da
descoberta do Titanic no fundo do
mar. Robert Ballard, conhecido
como o Indiana Jones das profundezas, foi quem teimosamente
descobriu os destroços do navio
naufragado. Em 1985, botou Jason, um robô com jeito de cachorro, portador de um televisivo olho
ciclópico, a se esgueirar pelas ruínas enferrujadas do navio.
É claro que James Cameron, como todo mundo, viu o documentário que lhe tocou o nervo exposto. Posso quase apostar que a imagem que precipitou sua necessidade de filmar a história do Titanic
foi a do enorme lustre de cristal dependurado no teto do mar. Dependurado mesmo, os peixes passando entre os pingentes transparentes e já uns corais e algas se juntando ao desenho primitivo, mas sem
perturbá-lo.
Uma xícara intacta escorregou
por superfícies sacudidas pelo desastre e parou, pousada. Ficou lá,
naquele imenso silêncio, desde
1912, esperando a hora do chá.
Emocionante.
Cada vez que descobrem tesouros marítimos, descubro nas minhas próprias profundezas uma
voracidade sem limites. Quero ter
para mim aquelas moedas, aquela
louça da China, e como cobiço as
jóias, as pequenas estatuetas, pelas
quais passaria batida, se estivessem em uma vitrine qualquer.
Objetos e pirataria
O problema não é só meu, feliz
ou infelizmente. Robert Ballard,
que iluminou profundidades que
o sol jamais viu, sabe disso e sofre.
Queixa-se mais ou menos assim
nas suas inúmeras entrevistas, galã
do fundo dos mares que é:
"Olhem só o que aconteceu. Descobrimos o Titanic e logo atrás vieram os saqueadores. Eu me sinto
responsável por ter aberto o Titanic a piratas mercenários. Nosso
objetivo não era reaver os objetos,
o que é desnecessário. Qual a pressa de trazê-los à tona? Seria preciso
primeiro datar, analisar historicamente, e o ideal é que a pesquisa
seja 'in situ'".
Eram indiretas de Ballard contra
a New York Salvage Company, que
financiou o resgate de cerca de
4.000 objetos, estimulando essa
produção recente de filmes, livros,
documentários e exposições pelos
quatro cantos do mundo. Moedas,
louças, roupas, um anjo de bronze, papéis da Bolsa, baralhos, cartas de amor, um vidro de azeitonas
e muito mais.
As associações de resgate têm as
costas quentíssimas com patrocinadores de grande peso. Querem
mostrar as melhores peças ao público e só depois deixá-las na mão
dos estudiosos.
É um debate interessante, pois o
comportamento diante das ruínas
do carismático Titanic será o modelo para comportamentos futuros diante de nossas heranças culturais submarinas.
Filme: Titanic
Produção: EUA, 1997
Direção: James Cameron
Com: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet
Onde: Olido 3, Estação Lumiere 2 e circuito
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