São Paulo, sábado, 18 de março de 2006

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QUADRINHOS

Criador da Turma da Mônica, que autografa três lançamentos hoje, na Bienal, prepara novo desenho animado

Mauricio de Sousa planeja nova HQ e sucessão

Bruno Miranda/Folha Imagem
O desenhista Mauricio de Sousa segura uma página da HQ do novo personagem, Ronaldinho Gaúcho, que também terá uma tirinha de jornal e um desenho animado


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

O desenhista Mauricio de Sousa, 70, criador da Turma da Mônica, queria ter mais tempo livre para exercitar seu lado escritor -que gerou a série de contos que está sendo lançada na Bienal do Livro- e para voltar a desenhar o personagem através do qual se expressa, o pequeno dinossauro Horácio.
Mas o empresário Mauricio de Sousa, que atualmente domina mais da metade do mercado editorial infantil brasileiro, não consegue parar. Entre reuniões para discutir a nova animação da Turma da Mônica -"Uma Aventura no Tempo", prevista para dezembro deste ano- e os preparativos para lançar um novo personagem, Ronaldinho Gaúcho (que estará em tirinhas de jornal, gibis e desenho animado), Sousa recebeu a Folha em seu escritório para falar sobre sua carreira e seus novos projetos, inclusive o de sucessão em sua empresa.
 

Folha - Como o senhor começou a escrever para o público infantil?
Sousa -
No início, não pensava em escrever para crianças. Quando comecei a criar histórias em quadrinhos, no fim da década de 1950, trabalhava como repórter policial [na Folha], um ambiente que não tinha nada de infantil. Minha história preferida, naquela época e até hoje, é o "Spirit", do Will Eisner, que é uma HQ policial. Eu queria fazer alguma coisa, mas não poderia ser algo como o "Spirit", teria de ser mais simples, não dava tempo para fazer uma história em quadrinhos sofisticada. Eu tinha que simplificar, ser quase pedagógico para poder desenhar uma quantidade suficiente para ganhar um salário-mínimo.
Eu era jovem, não tinha vivência, o que eu lembrava era das brincadeiras da minha infância, do meu cachorro, as coisas pelas quais eu havia passado há menos de dez anos. Por isso, comecei a contar histórias através de personagens que eram crianças, o que atraiu os mais novos, porque eles gostam de se ver retratados. As crianças vieram para as histórias.

Folha - Como o senhor desenvolveu sua empresa?
Sousa -
Eu planejei tudo no começo, ainda na Folha. Não inventei nada: estudei o que se fazia com história em quadrinhos, com desenho animado, com licenciamento e tudo o mais. Então, imaginei que teria que fazer um projeto diferenciado e adequado para o Brasil. Sofrido, como tudo aqui, mas possível. Fui fazendo aos poucos, da maneira que eu podia.
Na década de 1960, montei o dispositivo para distribuição de tirinhas para jornais. Os anos 70 foram os das revistas em quadrinhos, os anos 80 foram dos desenhos animados, nos anos 90 investi nos parques temáticos e agora é a década da internacionalização. Há mais de 40 anos que eu espero um contrato como esse que chegou na semana passada, com um sindicato americano, para distribuição internacional [das tirinhas de Ronaldinho Gaúcho] em mais de 200 jornais.

Folha - O senhor supervisiona cada detalhe?
Sousa -
Das coisas novas, sim. Do que já está rolando, o pessoal já viu a minha aprovação e segue em frente. Se escorregar, eu dou um jeito. O que eu ainda não passei para ninguém são os roteiros, a criação. Isso passa pela minha mão, eu vejo, discuto.

Folha - O senhor é perfeccionista?
Sousa -
Sou. A única coisa que me tira do sério é ver um serviço malfeito por uma pessoa que eu sei que sabe fazer bem-feito. Eu entendo erros, mas não aceito falhas. São duas coisas distintas.

Folha - Quando o senhor começou a licenciar seus personagens?
Sousa -
Isso começou um pouco antes das revistas, no fim dos anos 60, quando já tínhamos 300 jornais publicando nosso material. Os primeiros licenciamentos foram de bonecos, gravatas, brinquedos, até que o [elefante] Jotalhão entrou na propaganda do extrato de tomate na TV. No começo eu era impressionável pelas críticas que o pessoal fazia, de que isso era péssimo, depreciava a história em quadrinhos, os personagens. Eu tinha um pouco de pé atrás. Mas um gerente meu me demoveu com um argumento bastante simples: "O dinheiro não vai dar este mês, você tem que fechar este contrato". Aí, já que era para trabalhar direito, eu montei um dispositivo que talvez seja o mais sofisticado do país.
Hoje, 70% do nosso lucro vem do licenciamento. Mas eu tomo cuidados: eu preciso aprovar cada campanha, ver como vai ser o tratamento do personagem, para garantir que ele não seja um garoto-propaganda, falando "compre isso" diretamente para a criança.

Folha - As críticas, então, não o influenciam?
Sousa -
Não. Eu aceito, respeito, explico meu ponto de vista. Cada um enxerga de uma maneira, então eu fujo de polêmicas. De qualquer modo, o maior crítico das minhas histórias sou eu mesmo. Critico roteiro, cor, qualidade de impressão do papel, tudo.

Folha - Mas essa autocrítica não é apenas parcial, já que não é o senhor quem faz os desenhos?
Sousa -
Realmente, hoje a Turma da Mônica não é uma história de autor, é uma obra de equipe, de vários desenhistas. Mas a obra tem a minha assinatura e por isso tenho que ser crítico. O que facilita é que tudo que a minha equipe faz, do roteirista ao colorista, eu sei fazer igual ou melhor. Graças a isso, há um bom nível de respeito da equipe toda pelo Mauricio. Espero que esteja treinando algumas pessoas corretamente para me substituírem e serem tão exigentes quanto eu.

Folha - O senhor já tem um plano de sucessão?
Sousa -
Estamos fazendo um projeto, treinando roteiristas e desenhistas para me substituir, planejando a sucessão em todas as áreas, inclusive na parte empresarial -afinal de contas, temos dezenas de negócios que não devem parar se eu me ausentar, por qualquer motivo. Na parte artística, minha filha Marina, que desenha e escreve tão bem quanto eu e tem apenas 20 anos, deve ser minha sucessora. A família inteira acha que é a pessoa mais indicada.
O projeto de sucessão prevê que eu fique apenas no conselho da empresa. Quero ter mais tempo livre para fazer as coisas que eu gosto: escrever mais, fazer o Horácio e criar tirinhas para jornal. Eu gosto de fazer tiras, é um trabalho quase jornalístico, dá para colocar nas histórias os assuntos do cotidiano, as notícias.

Folha - O senhor acompanhou boa parte da evolução dos quadrinhos no Brasil. Em que estágio o gênero está hoje?
Sousa -
Nunca esteve tão bem, tão respeitado. Você pode gostar ou não, mas não se condena os quadrinhos, não há mais uma "caça às bruxas" como houve antigamente, quando os gibis eram até queimados porque se pensava que prejudicavam as crianças. Hoje vivemos, felizmente, em um sistema de liberdade para criar, usar e até abusar de vez em quando. Acho que os quadrinhos estão atravessando um período ótimo para se firmar como negócio.


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