São Paulo, Quarta-feira, 18 de Agosto de 1999
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CONCERTO - CRÍTICA
Beaux Arts Trio toca como "conversa"

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

Ouvir música assim é um presente: para nós, para os músicos, para a própria música. Em seu concerto de segunda-feira, no teatro Cultura Artística, inaugurando a integral dos trios para piano de Beethoven (1770-1827), o Beaux Arts Trio fez da música de câmara o veículo ideal para o ideal civilizado da música.
A descrição do poeta Goethe da música de câmara como uma "conversa", onde cada voz contribui para levar o argumento adiante, idealiza o que ele chama de conversa; mas seria a melhor analogia para definir a performance desses trios de seu maior contemporâneo.
Virtuoses da modéstia, expansivamente reservados, esses músicos tocaram Beethoven com a malícia de Haydn e a naturalidade de Mozart, devidamente homenageadas e destruídas pelo espírito de Beethoven.
Isso já podia ser escutado desde o "Trio Opus 1, Número 1", que abre modestamente a lista de obras do compositor e abriu expansivamente o programa do concerto.
Interpretado com enorme requinte pelo Beaux Arts, esse "Trio", assim como o "Op. 11" e o "Trio em Mi Bemol Maior WoO. 38", deixa-nos escutar a passagem do classicismo a um outro estilo: o classicismo beethoveniano, que já é patrimônio do século seguinte.
Tocar nesse intervalo, entre o classicismo e o romantismo, demanda façanhas de equilíbrio.
Mas ninguém parece habitar esse espaço com maior conforto do que o pianista Menahen Pressler. Ele comanda o grupo de dentro, impondo sua personalidade musical com uma autoridade gratamente reconhecida até por músicos da personalidade de Antonio Meneses (violoncelo) e Young Uck Kim (violino).
Quase sem usar o pedal, frequentemente cortejando o limite do silêncio, Pressler é um pianista dos pianistas, imune a qualquer pensamento que não seja da música, só da música e todo da música. Em sua estréia nacional como integrante do trio, Antonio Meneses parecia ter internalizado as lições de Pressler, traduzindo a expressividade do violoncelo para uma outra gama, diferente da habitual.
Também o violinista coreano Young Uck Kim soa de algum modo, agora, uma criatura de Pressler. Intérprete menos memorável que os outros dois, Kim só se permitiu impor maior presença no primeiro bis, o "Allegro com Brio" do "Trio" de Shostakovich (1906-75), que o Beaux Arts tocou de forma eletrizante, entre o arrojo e o desespero.
Mas o ponto alto para todos, incluindo o compositor, foi mesmo o "Trio Op. 70/1". Melhor conhecido como "Fantasma" ("Geister") -por conta de uma suposta música incidental para a cena das feiticeiras de "Macbeth"-, o "Trio" concentra as virtudes que formariam a geração seguinte de compositores, de Schubert a Schumann e Berlioz -o Beethoven da última fase tem pouca influência sobre os românticos; é mais uma referência para os modernos. Aqui se escuta a "alegria serena, proveniente de um mundo desconhecido", de que falava E. T. A. Hoffmann no início do século 19; e também outros humores e terrores, de mundos muito conhecidos, que Beethoven atualiza para sempre e que o Beaux Arts reatualizou, na linguagem ideal da música.


Avaliação:     


Concerto: Beaux Arts Trio
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 256-3616)
Quanto: R$ 50 e R$ 100


E-mail: nestro@uol.com.br


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