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CONCERTO - CRÍTICA
Beaux Arts Trio toca como "conversa"
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Ouvir música assim é um presente: para nós, para os músicos,
para a própria música. Em seu
concerto de segunda-feira, no teatro Cultura Artística, inaugurando a integral dos trios para piano
de Beethoven (1770-1827), o
Beaux Arts Trio fez da música de
câmara o veículo ideal para o
ideal civilizado da música.
A descrição do poeta Goethe da
música de câmara como uma
"conversa", onde cada voz contribui para levar o argumento adiante, idealiza o que ele chama de
conversa; mas seria a melhor analogia para definir a performance
desses trios de seu maior contemporâneo.
Virtuoses da modéstia, expansivamente reservados, esses músicos tocaram Beethoven com a
malícia de Haydn e a naturalidade
de Mozart, devidamente homenageadas e destruídas pelo espírito de Beethoven.
Isso já podia ser escutado desde
o "Trio Opus 1, Número 1", que
abre modestamente a lista de
obras do compositor e abriu expansivamente o programa do
concerto.
Interpretado com enorme requinte pelo Beaux Arts, esse
"Trio", assim como o "Op. 11" e o
"Trio em Mi Bemol Maior WoO.
38", deixa-nos escutar a passagem
do classicismo a um outro estilo: o
classicismo beethoveniano, que já
é patrimônio do século seguinte.
Tocar nesse intervalo, entre o
classicismo e o romantismo, demanda façanhas de equilíbrio.
Mas ninguém parece habitar esse espaço com maior conforto do
que o pianista Menahen Pressler.
Ele comanda o grupo de dentro,
impondo sua personalidade musical com uma autoridade gratamente reconhecida até por músicos da personalidade de Antonio
Meneses (violoncelo) e Young
Uck Kim (violino).
Quase sem usar o pedal, frequentemente cortejando o limite
do silêncio, Pressler é um pianista
dos pianistas, imune a qualquer
pensamento que não seja da música, só da música e todo da música. Em sua estréia nacional como
integrante do trio, Antonio Meneses parecia ter internalizado as lições de Pressler, traduzindo a expressividade do violoncelo para
uma outra gama, diferente da habitual.
Também o violinista coreano
Young Uck Kim soa de algum
modo, agora, uma criatura de
Pressler. Intérprete menos memorável que os outros dois, Kim
só se permitiu impor maior presença no primeiro bis, o "Allegro
com Brio" do "Trio" de Shostakovich (1906-75), que o Beaux Arts
tocou de forma eletrizante, entre
o arrojo e o desespero.
Mas o ponto alto para todos, incluindo o compositor, foi mesmo
o "Trio Op. 70/1". Melhor conhecido como "Fantasma" ("Geister") -por conta de uma suposta
música incidental para a cena das
feiticeiras de "Macbeth"-, o
"Trio" concentra as virtudes que
formariam a geração seguinte de
compositores, de Schubert a
Schumann e Berlioz -o Beethoven da última fase tem pouca influência sobre os românticos; é
mais uma referência para os modernos. Aqui se escuta a "alegria
serena, proveniente de um mundo desconhecido", de que falava
E. T. A. Hoffmann no início do século 19; e também outros humores e terrores, de mundos muito
conhecidos, que Beethoven atualiza para sempre e que o Beaux
Arts reatualizou, na linguagem
ideal da música.
Avaliação:
Concerto: Beaux Arts Trio
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196, tel. 256-3616)
Quanto: R$ 50 e R$ 100
E-mail: nestro@uol.com.br
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