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São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2003

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MÚSICA ERUDITA

Violinista alemão Frank Peter Zimmermann toca sonatas de Beethoven, Strauss e Busoni no Municipal

Primavera quando ninguém mais espera

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"A primavera é quando ninguém mais espera", diz a canção de Zé Miguel Wisnik. Até que essa -a sonata "Primavera" de Beethoven (1770-1827)- era uma beleza anunciada; mas faz tanto tempo que não se escuta música de câmara no Municipal que o concerto do violinista Frank Peter Zimmermann parecia mesmo um início e não um fim de temporada. O fato de o Mozarteum já anunciar no programa a temporada de 2004 -com Gidon Kremer e Nelson Freire, entre outros- reforçava a sensação de eterno começo.
Zimmermann, que toca num Stradivarius maravilhoso (de 1706) veio acompanhado pelo pianista italiano Enrico Pace. Além da "Primavera", tocaram coisas pouco escutadas de Busoni (1866-1924) e Richard Strauss (1864-1949). O show ficou para o bis, com uma espetacular suíte das valsas de "O Cavaleiro da Rosa" de Strauss.
"A primavera é quando do escuro da terra ascende a música da paixão", mas não foi bem isso o que se ouviu no começo. As perfeições de Beethoven são tão equilibradas, tudo é tão harmoniosamente ajustado, que é chocante pensar no compositor escrevendo essa música em 1801, o ano da virada, quando já sentia o avanço da surdez. É tudo tão perfeito, que só destruindo -mais ou menos o que ele faria dali para a frente. "A primavera é quando não."
Só que não foi essa paixão toda anteontem. Os músicos estavam visivelmente incomodados com o barulho do sistema de ventilação; tocaram com mestria, tocaram com delicadeza, mas faltou muito para desesperar tudo em flor.
Ferruccio Busoni é um daqueles compositores que inspiram torcida: sempre se quer que sua música seja um pouco melhor do que é. Metade da "Sonata nš 2" para violino e piano soa imediatamente olvidável, música de aplicação e esforço. Outro tanto chega a momentos lindos, o espírito e a letra dos corais luteranos de Bach traduzidos para um ambiente contrapontístico de fins do século 19, com direito a tocatas e fugas.
Para além do mérito de programar peças como essa, Zimmermann só pode colher elogios pelo virtuosismo. Tudo o que ele faz parece natural e simples. Não é uma coisa nem outra, e a habilidade do pianista em acompanhá-lo, reagindo compasso a compasso, dinâmica por dinâmica, deixava claro o quanto de trabalho não se oculta na facilidade.
São os 99 por cento de transpiração, cuja contraparte -o crucial um por cento de gênio- ficou para outra noite, ou a próxima primavera.


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