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MÚSICA ERUDITA
Violinista alemão Frank Peter Zimmermann toca sonatas de Beethoven, Strauss e Busoni no Municipal
Primavera quando ninguém mais espera
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"A primavera é quando
ninguém mais espera",
diz a canção de Zé Miguel Wisnik.
Até que essa -a sonata "Primavera" de Beethoven (1770-1827)- era uma beleza anunciada; mas faz tanto tempo que não
se escuta música de câmara no
Municipal que o concerto do violinista Frank Peter Zimmermann
parecia mesmo um início e não
um fim de temporada. O fato de o
Mozarteum já anunciar no programa a temporada de 2004
-com Gidon Kremer e Nelson
Freire, entre outros- reforçava a
sensação de eterno começo.
Zimmermann, que toca num
Stradivarius maravilhoso (de
1706) veio acompanhado pelo
pianista italiano Enrico Pace.
Além da "Primavera", tocaram
coisas pouco escutadas de Busoni
(1866-1924) e Richard Strauss
(1864-1949). O show ficou para o
bis, com uma espetacular suíte
das valsas de "O Cavaleiro da Rosa" de Strauss.
"A primavera é quando do escuro da terra ascende a música da
paixão", mas não foi bem isso o
que se ouviu no começo. As perfeições de Beethoven são tão equilibradas, tudo é tão harmoniosamente ajustado, que é chocante
pensar no compositor escrevendo
essa música em 1801, o ano da virada, quando já sentia o avanço
da surdez. É tudo tão perfeito, que
só destruindo -mais ou menos o
que ele faria dali para a frente. "A
primavera é quando não."
Só que não foi essa paixão toda
anteontem. Os músicos estavam
visivelmente incomodados com o
barulho do sistema de ventilação;
tocaram com mestria, tocaram
com delicadeza, mas faltou muito
para desesperar tudo em flor.
Ferruccio Busoni é um daqueles
compositores que inspiram torcida: sempre se quer que sua música seja um pouco melhor do que
é. Metade da "Sonata nš 2" para
violino e piano soa imediatamente olvidável, música de aplicação e
esforço. Outro tanto chega a momentos lindos, o espírito e a letra
dos corais luteranos de Bach traduzidos para um ambiente contrapontístico de fins do século 19,
com direito a tocatas e fugas.
Para além do mérito de programar peças como essa, Zimmermann só pode colher elogios pelo
virtuosismo. Tudo o que ele faz
parece natural e simples. Não é
uma coisa nem outra, e a habilidade do pianista em acompanhá-lo, reagindo compasso a compasso, dinâmica por dinâmica, deixava claro o quanto de trabalho não
se oculta na facilidade.
São os 99 por cento de transpiração, cuja contraparte -o crucial um por cento de gênio- ficou para outra noite, ou a próxima primavera.
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