São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

Arte construtiva é desafiada hoje

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

Mary Vieira (1927-2001) foi estruturalista. Na retrospectiva "O Tempo do Movimento", reúnem-se seus objetos escultóricos, artes gráficas e filmes, além de documentação de obras públicas da artista. A dualidade geométrica predomina pelos quatro andares do Centro Cultural Banco do Brasil.
O estruturalismo floresceu na Guerra Fria. A um mundo bipartido seguiu-se um modelo de pensamento que sintetizava a realidade em pares de opostos. A clareza resultante desse sistema permitiria compreender o presente pelo destrinchamento de sua estrutura dialética, sem a necessidade de relativizações historicistas.
Nascida em São Paulo, Mary Vieira formou-se em Minas, tendo estudado desenho e pintura com Guignard, entre 1943 e 47, e escultura com Weissmann e Amílcar de Castro. Porém, em 1951 emigrou definitivamente para a Suíça, onde foi aluna do construtivista Max Bill.
A polaridade entre opostos é evidenciada na galeria do segundo andar, núcleo da sintética exposição. Ao centro estão os "Tempos de um Desenho" (1952-53), série de 16 litografias e um relevo de metal. Observamos variações sobre um segmento de grega e outro de espiral.
À direita e à esquerda, enfileram-se obras que seguem uma ou outra das duas linhas de desenvolvimento geométrico: a reta ou a curva. Nas extremidades do cômodo, as duas únicas obras interativas em que o visitante pode tocar: o "Polivolume: Côncavo Convexo" (1948-67) e o "Polivolume: momento Elipsoidal" (1967-70).
Encontramos também outras peças que convidam ao toque, porém isoladas por motivos museológicos, implicando um limite à plena fruição da mostra. O "Grupo Rítmico de Colunas: Ascendente Descendente" (1953), por exemplo, é constituído por cinco hastes de diferentes espessuras, presas verticalmente a uma base circular. A configuração delas faz com que funcionem como dois pares de duas notas musicais com uma oitava de intervalo, mais uma terceira nota. Quando a base é percutida e vibra em certas freqüencias, as hastes também entram em estado vibratório. Contudo, a engenhosidade permanece restrita à teoria sem a contraparte interativa.
Numa entrevista mostrada em vídeo, Mary Vieira explica sua compreensão da própria obra como uma semente estática, contendo a possibilidade do movimento germinativo. Para torná-las atuais, o público deveria operar sobre as peças, seja de modo a compreender intelectualmente o processo de derivação rigorosa das formas, seja pelo deslocamento das partes móveis.
A retrospectiva desafia a sobrevivência do projeto construtivo. Estará de fato a arte acima da história, sendo suficiente o encadeamento das formas clássicas para que se produza a experiência estética pura? Será a eternidade dos opostos uma solução ainda ao alcance contemporâneo?


Mary Vieira - O tempo do Movimento
   
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, região central, tel. 3113-3651)
Quando: ter. a dom., das 10h às 21h; até 27/3
Quanto: entrada franca



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