São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2003 |
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MÚSICA Radicado nos EUA, arranjador paulista se apresenta na cidade e fala de seus 45 anos de envolvimento com a MPB Mariano vai da pilantragem a Maria Rita
PEDRO ALEXANDRE SANCHES DA REPORTAGEM LOCAL Mesmo com disco e show na praça, o paulista Cesar Camargo Mariano, 59, é um homem de bastidor. Era músico acompanhante quando Wilson Simonal era o artista mais popular do Brasil. Foi marido e diretor de Elis Regina durante um de seus auges, nos anos 70. Hoje, acompanha com estudada distância Maria Rita Mariano, sua filha com Elis. "Gosto de tocar piano e compor, mas o grande barato para mim é lá atrás. A paixão da minha vida é fazer arranjos, é o bastidor", confidencia já ao final de entrevista à Folha, na antevéspera de tomar a boca do palco em São Paulo, nos shows de hoje e amanhã, no Sesc Vila Mariana. Não consegue explicar claramente se também vê a semelhança entre a filha e a ex-mulher, que tem assombrado o público do minúsculo Supremo Musical, em que ela tem aparecido. "Como profissional e membro da família, acho que é natural o que está acontecendo com ela, por ser filha da Elis. O público sente vontade de matar saudades da mãe, o que também acho natural", explica. Logo em seguida, ele faz as ressalvas: "Mas fico na esperança de que tudo isso leve à descoberta das virtudes e do grande poder próprio dessa nova artista que ela é. Incomoda a nós da família a expectativa sobre em que hora vão olhar para ela, somente para ela". A seguir, Mariano fala sobre os filhos (entre os quais o cantor Pedro Mariano e o diretor da gravadora Trama João Marcello Bôscoli, criado por ele apesar de ser filho do ex-marido de Elis Ronaldo Bôscoli). E sobre Elis, e (com lágrimas nos olhos) sobre Simonal. FILHOS - "É diferente cantar em
casa e no palco. Em casa não dava
para perceber a grande musicalidade que meus filhos têm. Eles
cresceram no colo de Milton Nascimento, de João Bosco, no meu.
É inevitável, é isso mesmo. Eu fico
à distância, mesmo, no que se refere a filho. Na fase da descoberta
do talento, do dom, me afasto, por
respeito. O saudável é eles estarem com a turma deles, isso é terrivelmente saudável." MARIA RITA - "O trabalho de Maria Rita precisa ter cara nova, jeito novo, som novo, até roupa nova.
Não pode andar para trás. Sei que
tenho experiência e vivência suficiente para atuar em qualquer gênero, independentemente de época. Eu faria um trabalho com ela?
Faria, mas não é o caso, porque a
linguagem fica com menos sotaque se eu não puser a mão. Se lá
no meio quiser o pianinho do velho, então vamos lá. Mas aí é porque existe uma razão, não porque a gravadora quer." FILHOS E AMIGOS - "Os filhos de
Simonal (Wilson Simoninha e
Max de Castro) também são como filhos para mim. O trabalho
que todos eles têm feito é fruto em
primeiro lugar da profunda amizade deles. Em segundo lugar é
decorrência natural, sintonia de
conceitos. Peço encarecidamente
a eles que preservem a amizade
profunda que eles têm. Venho de
uma geração em que sempre houve muito respeito, mas faltou coleguismo e amizade. Hoje essa é a ponte que há entre eles." AUTODIDATAS - "O que diferenciou Elis foi seu tremendo bom
gosto, sua cultura musical. Mas
ela era autodidata, como eu também fui. Nunca estudei música
com professor. Com Simonal era
a mesma coisa, mas ele era idolatrado pelos músicos profissionais.
Para os músicos não existiam essas diferenças ideológicas, existia
o trabalho bom e o trabalho ruim.
E eles tinham Simonal lá em cima,
ele era muito musical." PILANTRAGEM - "Aquele gênero
que criamos, da pilantragem, era
um sambão com um algo mais,
com harmonias legais. A pilantragem era o superficial. Cansei de
ver Edu Lobo e Chico Buarque assistindo à gente, fascinados. Eu
me realizei como ser humano ali,
naquela época. Pilantra, na linguagem "simonalesca", era um cara fantástico, era um auto-elogio.
Quando ele dizia "vou deixar cair",
a natureza disso era que ia fazer
muito direitinho, organizado.
"Bacana" para ele era pejorativo,
chamava alguém de bacana quando queria criticar. Era a linguagem do morro, que era a dele." DERROCADA DE SIMONAL -
"Quando ele falou que era "amigo
dos homens" da ditadura, estava
longe do abuso de poder. Achava
bacana ser amigo dos homens,
muito pouca gente tinha noção
do que estava acontecendo naquele regime. Até onde sei era no
sentido mais inocente possível.
Ele foi o bode expiatório. Foi tudo
um absoluto engano de muita
gente, dele também. Isso ficou
meio provado loguinho, mas ninguém quis se comprometer. Anistiaram todo mundo no Brasil,
menos ele." ELIS, PAÍS - "Elis foi quem me ensinou um pouco muito (ri da expressão que usou) a querer trazer
coisas que acrescentem ao Brasil.
Só sei tocar piano, então tem que
ser assim minha contribuição.
Amo profundamente o Brasil e
reconheço cada vez mais o tamanho dessa encrenca: é a melhor
música do mundo, o país mais
musical. A cultura aqui é natural,
mas é um país que precisa de muito desenvolvimento ainda. A
emoção que senti quando mostrei
o novo show no Rio (na semana
passada) é enorme. Me empolgo,
fico excitado com a resposta das
pessoas. Moro fora, mas nosso sonho não é mostrar o que está fazendo para a mãe da gente?" |
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