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VÍDEO
O diretor ainda ganha biografia e mostra de filmes
Funarte lança longas
de Humberto Mauro
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
Demorou um pouco, mas o Brasil parece ter acordado para o centenário de nascimento de um de
seus maiores cineastas, Humberto
Mauro (1897-1983).
A Funarte, em parceria com a
Riofilme, está lançando em vídeo
sete longas-metragens do diretor,
que ganha também uma biografia
e uma extensa mostra de filmes e
fotos no Instituto Cultural Itaú
(leia reportagens nesta página).
O pacote de fitas da Funarte inclui clássicos como "Brasa Dormida" (1928), "Sangue Mineiro"
(1929) e "Argila" (1940), além de
preciosidades como "Tesouro
Perdido" (1927) e o épico "O Descobrimento do Brasil" (1937).
As cópias em geral são boas, com
exceção de "Tesouro Perdido", fita cujo estado quase faz jus ao título. A explicação é dada num texto
introdutório escrito pelo próprio
Mauro: o negativo do filme se perdeu, e a cópia teve de ser feita a
partir de outra já deteriorada.
É uma pena, pois nessa aventura
romântica sobre um mapa de tesouro cobiçado por bandidos aparecem como atores o próprio cineasta (como o vilão Manoel Faca), sua mulher, Maria de Almeida
(com o pseudônimo Lola Lys), e
seu irmão Francisco Mauro.
Motivos recorrentes
Ver os sete filmes em ordem cronológica pode ser interessante para acompanhar a evolução técnica
e estética do diretor, mas também
para constatar sua fidelidade a determinados motivos: a força e a
sensualidade da natureza, a beleza
da mulher, a dignidade do trabalho manual.
A polarização entre a vida urbana moderna e o bucólico mundo
rural aparece já nas duas primeiras
obras-primas do pacote, "Brasa
Dormida" e "Sangue Mineiro",
ambas com a poética fotografia de
Edgar Brasil (que depois fotografaria "Limite", de Mário Peixoto).
No primeiro, um jovem "bon vivant" do Rio, obrigado pelo pai a
arranjar emprego, vai ao interior,
emprega-se como administrador
de uma usina de açúcar e acaba casando com a filha do usineiro. O
campo é sua redenção.
Mas são as imagens urbanas,
quase documentais, de "Brasa
Dormida" que chamam a atenção,
sobretudo as tomadas de uma corrida de cavalos na Gávea.
Em "Sangue Mineiro", primeiro
longa-metragem rodado em Belo
Horizonte, é uma moça da cidade
(a estrela Carmen Santos, em seu
primeiro trabalho com o diretor)
que se junta a um rapaz do interior, depois de um namoro fracassado com um playboy.
Também "Argila" coloca em
contato dois mundos contrastantes e, no entanto, complementares: o da alta sociedade carioca (representado pela cobiçada viúva
Luciana/Carmen Santos) e o do
trabalho artesanal (encarnado no
ceramista que ela seduz, Gilberto/Celso Guimarães).
Humanização
Nesses dramas românticos, em
que o amor frequentemente se
choca com o interesse material e as
convenções sociais, os personagens só são estereotipados num
primeiro momento.
À medida que a câmera do diretor se concentra neles, eles se humanizam e revelam uma riqueza
insuspeitada.
O que sobressai em cada plano
filmado pelo diretor é sua alegria
de ver e dar a ver o movimento da
vida, como sugere sua célebre frase: "O cinema nada mais é do que
cachoeira". Por isso, em seus filmes, não há diferença entre poesia
e documento.
História
Mesmo o histórico "Descobrimento do Brasil" tem um frescor
que o afasta das visões oficialescas.
Mantendo-se colado ao relato de
Pero Vaz de Caminha, o filme descreve com delicada poesia os primeiros encontros entre brancos e
índios, o que o levou a ser elogiado
em sua época por Graciliano Ramos.
Diz a lenda que perguntaram
certa vez a Humberto Mauro o que
era preciso para fazer um bom filme, e que ele respondeu: "Ponha
mata, cachoeira, uma figura de
mulher... o resto é talento".
Os sete filmes que a Funarte lança agora em vídeo mostram que
tudo isso está nos filmes de Humberto Mauro. Principalmente o talento.
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