São Paulo, terça, 19 de agosto de 1997.



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VÍDEO
O diretor ainda ganha biografia e mostra de filmes
Funarte lança longas de Humberto Mauro

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

Demorou um pouco, mas o Brasil parece ter acordado para o centenário de nascimento de um de seus maiores cineastas, Humberto Mauro (1897-1983).
A Funarte, em parceria com a Riofilme, está lançando em vídeo sete longas-metragens do diretor, que ganha também uma biografia e uma extensa mostra de filmes e fotos no Instituto Cultural Itaú (leia reportagens nesta página).
O pacote de fitas da Funarte inclui clássicos como "Brasa Dormida" (1928), "Sangue Mineiro" (1929) e "Argila" (1940), além de preciosidades como "Tesouro Perdido" (1927) e o épico "O Descobrimento do Brasil" (1937).
As cópias em geral são boas, com exceção de "Tesouro Perdido", fita cujo estado quase faz jus ao título. A explicação é dada num texto introdutório escrito pelo próprio Mauro: o negativo do filme se perdeu, e a cópia teve de ser feita a partir de outra já deteriorada.
É uma pena, pois nessa aventura romântica sobre um mapa de tesouro cobiçado por bandidos aparecem como atores o próprio cineasta (como o vilão Manoel Faca), sua mulher, Maria de Almeida (com o pseudônimo Lola Lys), e seu irmão Francisco Mauro.
Motivos recorrentes
Ver os sete filmes em ordem cronológica pode ser interessante para acompanhar a evolução técnica e estética do diretor, mas também para constatar sua fidelidade a determinados motivos: a força e a sensualidade da natureza, a beleza da mulher, a dignidade do trabalho manual.
A polarização entre a vida urbana moderna e o bucólico mundo rural aparece já nas duas primeiras obras-primas do pacote, "Brasa Dormida" e "Sangue Mineiro", ambas com a poética fotografia de Edgar Brasil (que depois fotografaria "Limite", de Mário Peixoto).
No primeiro, um jovem "bon vivant" do Rio, obrigado pelo pai a arranjar emprego, vai ao interior, emprega-se como administrador de uma usina de açúcar e acaba casando com a filha do usineiro. O campo é sua redenção.
Mas são as imagens urbanas, quase documentais, de "Brasa Dormida" que chamam a atenção, sobretudo as tomadas de uma corrida de cavalos na Gávea.
Em "Sangue Mineiro", primeiro longa-metragem rodado em Belo Horizonte, é uma moça da cidade (a estrela Carmen Santos, em seu primeiro trabalho com o diretor) que se junta a um rapaz do interior, depois de um namoro fracassado com um playboy.
Também "Argila" coloca em contato dois mundos contrastantes e, no entanto, complementares: o da alta sociedade carioca (representado pela cobiçada viúva Luciana/Carmen Santos) e o do trabalho artesanal (encarnado no ceramista que ela seduz, Gilberto/Celso Guimarães).

Humanização
Nesses dramas românticos, em que o amor frequentemente se choca com o interesse material e as convenções sociais, os personagens só são estereotipados num primeiro momento.
À medida que a câmera do diretor se concentra neles, eles se humanizam e revelam uma riqueza insuspeitada.
O que sobressai em cada plano filmado pelo diretor é sua alegria de ver e dar a ver o movimento da vida, como sugere sua célebre frase: "O cinema nada mais é do que cachoeira". Por isso, em seus filmes, não há diferença entre poesia e documento.

História
Mesmo o histórico "Descobrimento do Brasil" tem um frescor que o afasta das visões oficialescas. Mantendo-se colado ao relato de Pero Vaz de Caminha, o filme descreve com delicada poesia os primeiros encontros entre brancos e índios, o que o levou a ser elogiado em sua época por Graciliano Ramos.
Diz a lenda que perguntaram certa vez a Humberto Mauro o que era preciso para fazer um bom filme, e que ele respondeu: "Ponha mata, cachoeira, uma figura de mulher... o resto é talento".
Os sete filmes que a Funarte lança agora em vídeo mostram que tudo isso está nos filmes de Humberto Mauro. Principalmente o talento.




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