São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Bernal tenta acabar com "tabu"

Em sua estréia na direção, ator mexicano quis escapar do "estereótipo narrativo do pobre menino pobre'

"Déficit", atração de hoje na Mostra de SP, associa crises econômicas dos países da América Latina com falta de perspectiva da juventude

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Nas noites de insônia que teve enquanto dirigia seu primeiro longa, "Déficit", o ator mexicano Gael García Bernal lia "O Passado", romance do argentino Alan Pauls cujo protagonista ele desempenhou no filme homônimo de Hector Babenco. Anteontem, Bernal desembarcou na cidade para acompanhar as projeções de ambos os filmes, escalados pela Mostra Internacional de Cinema de SP.
"O Passado" foi a atração da abertura, para convidados. "Déficit" tem sessões hoje e nas próximas segunda e sexta. A insônia de Bernal em seu próprio set surgiu junto da constatação de que "quando um filme dá certo, todos saem ganhando; quando dá errado, a culpa é do diretor e só dele".
O sentimento de culpa (ou a falta dele) é um elemento intrínseco também à trama de "Déficit", desenvolvida a partir de uma idéia de Bernal e onde, segundo ele, "todos os personagens são responsáveis pelos seus atos e todos são vítimas". A ação do filme ocorre durante um único dia, em que o jovem Cristóbal, interpretado pelo próprio Bernal, decide dar uma festa para os amigos, na casa de campo de seus pais. A irmã de Cristóbal tivera a mesma idéia. Entre os amigos dela está um brasileiro, Capicu.
Entre os dele, uma argentina, cujas credenciais remetem ao ex-presidente Carlos Menem -de família originária da província de La Rioja, ela vai viver em Miami, depois de "alguns problemas" não especificados.
"O filme se chama "Déficit", porque é sobre uma geração que cresceu com essa palavra", afirma Bernal. "Esse sonho idôneo dos países da América Latina de entrar no primeiro mundo ruiu completamente. O primeiro a despertar do sonho foi o México [com a crise de 1994], depois veio o Brasil e depois, de forma mais grave, a Argentina [no colapso de 2002]".
Em 1994, as economias que Bernal havia guardado "para viajar e estudar" se evaporaram de um dia para o outro, com a desvalorização da moeda. Ele cita esse exemplo para dizer que "essas "dêbacles" econômicas nos roubaram muitos sonhos e ambições" e, por isso, inspiraram os personagens de seu filme, que têm "um déficit emocional e de identidade".
Igualmente importante na trama é o "penetra" da festa. O caseiro, jovem como Cristóbal, desperta nele um sentimento de rechaço e rivalidade, embora, quando crianças, tenham brincado juntos. "Para mim, pensar que esses dois, nascidos na mesma região, não pudessem ser amigos, era o ponto mais dramático do roteiro", diz.
A escolha de uma casa como cenário foi feita, diz Gael, "porque era um grande desafio" -o de fazer um filme que não fosse monótono num só cenário. O maior desafio que o diretor quis se impor foi o de dar aos personagens ricos e pobres de "Déficit" tratamento diferente do comum nos filmes latinos.
"Acho que já podemos quebrar esse tabu dramático e narrativo de representar sempre o "pobre menino pobre" e maldizer o "pobre menino rico"."


DÉFICIT
Direção: Gael García Bernal
Com: Gael García Bernal, Luz Cipriota
Quando: hoje, às 19h30, na Faap, seg., às 15h10, no Cinesesc, e sex. (26), às 15h10, na Sala Cinemateca



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