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Bernal tenta acabar com "tabu"
Em sua estréia na direção, ator mexicano quis escapar do "estereótipo narrativo do pobre menino pobre'
"Déficit", atração de hoje na
Mostra de SP, associa crises
econômicas dos países da
América Latina com falta de
perspectiva da juventude
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Nas noites de insônia que teve enquanto dirigia seu primeiro longa, "Déficit", o ator mexicano Gael García Bernal lia "O
Passado", romance do argentino Alan Pauls cujo protagonista ele desempenhou no filme
homônimo de Hector Babenco.
Anteontem, Bernal desembarcou na cidade para acompanhar as projeções de ambos os
filmes, escalados pela Mostra
Internacional de Cinema de SP.
"O Passado" foi a atração da
abertura, para convidados.
"Déficit" tem sessões hoje e nas
próximas segunda e sexta.
A insônia de Bernal em seu
próprio set surgiu junto da
constatação de que "quando
um filme dá certo, todos saem
ganhando; quando dá errado, a
culpa é do diretor e só dele".
O sentimento de culpa (ou a
falta dele) é um elemento intrínseco também à trama de
"Déficit", desenvolvida a partir
de uma idéia de Bernal e onde,
segundo ele, "todos os personagens são responsáveis pelos
seus atos e todos são vítimas".
A ação do filme ocorre durante um único dia, em que o
jovem Cristóbal, interpretado
pelo próprio Bernal, decide dar
uma festa para os amigos, na
casa de campo de seus pais.
A irmã de Cristóbal tivera a
mesma idéia. Entre os amigos
dela está um brasileiro, Capicu.
Entre os dele, uma argentina,
cujas credenciais remetem ao
ex-presidente Carlos Menem
-de família originária da província de La Rioja, ela vai viver
em Miami, depois de "alguns
problemas" não especificados.
"O filme se chama "Déficit",
porque é sobre uma geração
que cresceu com essa palavra",
afirma Bernal. "Esse sonho idôneo dos países da América Latina de entrar no primeiro mundo ruiu completamente. O primeiro a despertar do sonho foi
o México [com a crise de 1994],
depois veio o Brasil e depois, de
forma mais grave, a Argentina
[no colapso de 2002]".
Em 1994, as economias que
Bernal havia guardado "para
viajar e estudar" se evaporaram
de um dia para o outro, com a
desvalorização da moeda. Ele
cita esse exemplo para dizer
que "essas "dêbacles" econômicas nos roubaram muitos sonhos e ambições" e, por isso,
inspiraram os personagens de
seu filme, que têm "um déficit
emocional e de identidade".
Igualmente importante na
trama é o "penetra" da festa. O
caseiro, jovem como Cristóbal,
desperta nele um sentimento
de rechaço e rivalidade, embora, quando crianças, tenham
brincado juntos. "Para mim,
pensar que esses dois, nascidos
na mesma região, não pudessem ser amigos, era o ponto
mais dramático do roteiro", diz.
A escolha de uma casa como
cenário foi feita, diz Gael, "porque era um grande desafio" -o
de fazer um filme que não fosse
monótono num só cenário.
O maior desafio que o diretor
quis se impor foi o de dar aos
personagens ricos e pobres de
"Déficit" tratamento diferente
do comum nos filmes latinos.
"Acho que já podemos quebrar
esse tabu dramático e narrativo
de representar sempre o "pobre
menino pobre" e maldizer o "pobre menino rico"."
DÉFICIT
Direção: Gael García Bernal
Com: Gael García Bernal, Luz Cipriota
Quando: hoje, às 19h30, na Faap, seg.,
às 15h10, no Cinesesc, e sex. (26), às
15h10, na Sala Cinemateca
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