São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Elizabeth Jobim busca elaborar uma experiência presente sem se deixar levar pela figura reconhecível

Evolução das linhas questiona o palpável

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

O agigantamento da presença institucional nas artes plásticas promoveu uma inversão de prioridades no meio. Se antes um curador de exposição, ao agrupar trabalhos de diferentes artistas, buscava organizar um panorama de questões e desdobramentos que a arte de determinado conjunto propunha, hoje sua figura se desmesurou, tornando-se ele proprietário do discurso onde a arte deve se encaixar. A reflexão, muitas vezes, parece anteceder a produção, o que lhe dá papel de coadjuvante, a reboque.
No Brasil, tal deslocamento se articula com uma forma pouco produtiva de inserção no circuito internacional: uma espécie de submissão da produção a preceitos e questões distantes e pouco relevantes à produção nacional.
Na realidade, tal preocupação revela um desejo de atualização que procura atingir as questões da contemporaneidade não através dos problemas do próprio trabalho, nem de uma tentativa de adensamento da obra, mas pela submissão a vogas internacionais.
O trabalho que Elizabeth Jobim mostra no Centro Universitário Maria Antônia também busca constituir uma experiência contemporânea, mas aqui isso tem sentido forte. A obra, pelo adensamento de suas questões, tenta elaborar uma experiência presente. O painel de papéis pintados e montados na parede, de certo modo, constitui uma radicalização de questões com que a artista lida ao menos há 10 anos.
É possível que esse trabalho não supere nem em qualidade nem em complexidade os quadros que ela exibiu em 2000, no Gabinete de Arte Raquel Arnaud. No entanto, sem dúvida, o novo trabalho representa uma tentativa de pensar com mais força as possibilidades abertas pelo anterior. E, nisso, aponta novos problemas.
Nos trabalhos de 2000, a pincelada mais grossa e colorida tentava manter a fluência da linha delgada dos quadros anteriores -a diferença é que a linha passa a pesar. Se na obra anterior a forma parece procurar um lugar onde o contorno do sólido não impeça a fluência brincalhona da linha (aliás, aparecendo como uma peripécia dela), depois o gesto passa a parecer excessivo.
O movimento do pincel não se identifica mais com o contorno lânguido. Os traços tentam preservar uma continuidade linear que aproxima os volumes e lhes dá um corpo único, retirando a memória de seu referente, lhes dando outro estatuto. A pincelada é pesada, diluída e encharcada; ao tentar conformar os sólidos escorre, se abranda e perde o caminho. Mas um gesto vigoroso os recupera para o desenho, dando a feição meio entumecida e desabante aos objetos.
Como se a descrição de um objeto tivesse que incorporar o que ele tem de não evidente e fugidio para lhe constituir sentido. A pintura incorpora as intempéries e a impossibilidade de o traço se tornar coisa para construir poeticamente um modo da vida, permeada por imagens distantes, se tornar palpável.
No trabalho exposto na Maria Antônia há a dúvida desta palpabilidade. A artista se esforça para atribuir uma certa realidade às coisas, mas que escape a toda evidência que possa reduzi-la a uma imagem reconhecível. Para isso, a artista incorpora o invisível. A superfície aparece em pedaços. A continuidade entre as formas ainda é modestamente narrada, mas de forma não-linear.
Os contornos delimitam pequenas áreas recortadas que se juntam para dar inteireza aos fragmentos. As formas parecem passar umas por detrás das outras, e, mesmo, por detrás do papel. Continuam após momentos de interrupção, depois de passarem por folhas todas em branco.
Elizabeth Jobim tenta amarrá-los, sem lhes retirar o que têm de particular. Como se reunidos, eles pudessem, mesmo em adversidade, designar um outro espaço, incorporando todas as resistências e dificuldades para a constituição forte de um sentido, que esteja além da mineralidade do referente e da generalidade do nome.

Amplitude
De fato, o trabalho é difícil de ser visto como uno. É amplo, recortado e repleto de intervalos, se articulando também entre os espectadores. Esses, vendo-se permeados pelo trabalho, podem aprender a retirar daquelas pedras um modo de dispor do mundo mais amplo que tenta dar conta mesmo dos desmentidos e acasos que fazem da vida algo muito diferente dum amontoado de certezas.


Elizabeth Jobim
    
Onde: Centro Universitário Maria Antônia (r. Maria Antônia, 294, 2º andar, tel. 0/xx/11/3237-1815) Quando: de seg. a sex., das 12h às 21h; sáb. e dom., das 9h às 21h; até amanhã Quanto: entrada franca




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