São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA EM CARTAZ CRÍTICA

"Três Reis" é mais do que propaganda

ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha

Há um filme em cartaz que não está recebendo a merecida atenção. Trata-se de "Três Reis", de David O. Russell, estrelado por George Clooney e Mark Wahlberg (de "Boogie Nights").
O filme tem sido vendido como mais uma extravagância de ação, cheia de explosões dilacerantes e violência. Talvez o tema -a guerra dos Estados Unidos contra Saddam Hussein, em 1991- tenha levado alguns a prejulgar o filme como mais uma propaganda ufanista da política externa americana, do tipo que Hollywood está cansada de fazer.
Mas "Três Reis" é um filme de guerra diferente. Na verdade pertence a um gênero praticamente extinto, a sátira política. O diretor, Russell, especializou-se em comédias urbanas com toques de excentricidade (seu melhor filme, "Spanking the Monkey", lida com o complicado tema do incesto). Era óbvio que ele não conseguiria fazer um filme de guerra convencional.
E "Três Reis" nada tem de convencional. Chega a ser incrível que um estúdio hollywoodiano tenha financiado um roteiro tão crítico e mordaz. A história começa quando alguns soldados americanos encontram um mapa com a localização de um depósito contendo o ouro roubado do Kuwait por Saddam Hussein.
Liderados por um oficial, Archie Gates (George Clooney), o grupo foge do acampamento e sai à procura do tesouro. Acham o ouro, mas acabam sensibilizados quando percebem a truculência com que o exército iraquiano trata seus conterrâneos civis, que, obedecendo a pedidos de George Bush, se rebelaram contra Saddam.
O filme dá uma patada certeira na política hipócrita de Bush, que ajudou os kuwaitianos mas deixou os civis iraquianos nas mãos dos assassinos de Saddam.
Russell, no entanto, não apela para o panfletarismo fácil, preferindo usar a ironia e o bom humor. Os soldados de "Três Reis" em nada lembram os heróis infalíveis de Spielberg; são gente de carne e osso, loucos para sair daquele inferno, botar a mão num tesouro e voltar aos EUA podres de rico.
Também não parecem ter a menor idéia do que estão fazendo no meio do deserto iraquiano. As tropas andam pela paisagem árida à procura, como diz um personagem, "de alguma ação", lutando uma guerra de videogame contra um inimigo que não conhecem, não encontram (o trabalho sujo já havia sido feito pelos mísseis) e, principalmente, não entendem.
Quando, finalmente, a tropa de insubordinados encontra uma vila iraquiana e entra em contato com os habitantes, o filme ganha uma dimensão totalmente nova e raríssima em filmes de guerra: a da "humanização" dos inimigos.
Passamos a ver os iraquianos como personagens e não apenas como os pedaços de carne que, desde os filmes de John Wayne, passando por Rambo e outros baluartes da política "braço forte" dos americanos, serviam apenas como alvo.
"Três Reis" é, em suma, um bom filme, que periga sair de cartaz sem atingir o público que merece. Não é à toa que ganhou os prêmios de melhor filme e diretor em 99, dados pela Associação de Críticos de Cinema de Boston.


Avaliação:    



Texto Anterior: Trilha de "Ripley" é repleta de "replays"
Próximo Texto: Fotografia: "Caixa Populi" retrata imigrantes
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.