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CINEMA EM CARTAZ CRÍTICA
"Três Reis" é mais do que propaganda
ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha
Há um filme em cartaz que não
está recebendo a merecida atenção. Trata-se de "Três Reis", de
David O. Russell, estrelado por
George Clooney e Mark Wahlberg (de "Boogie Nights").
O filme tem sido vendido como
mais uma extravagância de ação,
cheia de explosões dilacerantes e
violência. Talvez o tema -a guerra dos Estados Unidos contra
Saddam Hussein, em 1991- tenha levado alguns a prejulgar o
filme como mais uma propaganda ufanista da política externa
americana, do tipo que Hollywood está cansada de fazer.
Mas "Três Reis" é um filme de
guerra diferente. Na verdade pertence a um gênero praticamente
extinto, a sátira política. O diretor,
Russell, especializou-se em comédias urbanas com toques de excentricidade (seu melhor filme,
"Spanking the Monkey", lida com
o complicado tema do incesto).
Era óbvio que ele não conseguiria
fazer um filme de guerra convencional.
E "Três Reis" nada tem de convencional. Chega a ser incrível
que um estúdio hollywoodiano
tenha financiado um roteiro tão
crítico e mordaz. A história começa quando alguns soldados americanos encontram um mapa com
a localização de um depósito contendo o ouro roubado do Kuwait
por Saddam Hussein.
Liderados por um oficial, Archie Gates (George Clooney), o
grupo foge do acampamento e sai
à procura do tesouro. Acham o
ouro, mas acabam sensibilizados
quando percebem a truculência
com que o exército iraquiano trata seus conterrâneos civis, que,
obedecendo a pedidos de George
Bush, se rebelaram contra Saddam.
O filme dá uma patada certeira
na política hipócrita de Bush, que
ajudou os kuwaitianos mas deixou os civis iraquianos nas mãos
dos assassinos de Saddam.
Russell, no entanto, não apela
para o panfletarismo fácil, preferindo usar a ironia e o bom humor. Os soldados de "Três Reis"
em nada lembram os heróis infalíveis de Spielberg; são gente de
carne e osso, loucos para sair daquele inferno, botar a mão num
tesouro e voltar aos EUA podres
de rico.
Também não parecem ter a menor idéia do que estão fazendo no
meio do deserto iraquiano. As
tropas andam pela paisagem árida à procura, como diz um personagem, "de alguma ação", lutando uma guerra de videogame
contra um inimigo que não conhecem, não encontram (o trabalho sujo já havia sido feito pelos
mísseis) e, principalmente, não
entendem.
Quando, finalmente, a tropa de
insubordinados encontra uma vila iraquiana e entra em contato
com os habitantes, o filme ganha
uma dimensão totalmente nova e
raríssima em filmes de guerra: a
da "humanização" dos inimigos.
Passamos a ver os iraquianos
como personagens e não apenas
como os pedaços de carne que,
desde os filmes de John Wayne,
passando por Rambo e outros baluartes da política "braço forte"
dos americanos, serviam apenas
como alvo.
"Três Reis" é, em suma, um
bom filme, que periga sair de cartaz sem atingir o público que merece. Não é à toa que ganhou os
prêmios de melhor filme e diretor
em 99, dados pela Associação de
Críticos de Cinema de Boston.
Avaliação:
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