São Paulo, Segunda-feira, 21 de Junho de 1999
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CINEMA
Cinemateca passa hoje filme de Grigory Kozyntsev, que mostra que até comunistas se renderam a Shakespeare
"Hamlet" soviético é exibido hoje

PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha

A obra mais conhecida de William Shakespeare é exibida hoje numa versão que nem todos conhecem ou esperavam conhecer.
"Hamlet", produção soviética de 1964 dirigida por Grigory Kozyntsev, integra o ciclo Teatro, Cinema e Psicanálise, promovido pela Sala Cinemateca em parceria com a Sociedade Brasileira de Psicanálise.
Após a exibição do filme, o psicanalista Luis Carlos Menezes e o crítico e professor de Letras da USP José Miguel Wisnik -mediados pelo também psicanalista Uracy Simões- abrem mesa-redonda para discutir o filme e a obra do dramaturgo inglês.
Enganam-se os que esperam ver um filme de técnica rústica. Antes de qualquer metáfora política, "Hamlet" ("Gamlet", em russo), é uma adaptação em princípio fiel ao texto original. Há, ainda, um rigor estético e narrativo como pouco se vê nessas transposições.
Como no original, Hamlet é o príncipe que ouve o fantasma de seu pai pedindo vingança por ter sido assassinado pelo irmão, que assumiu o trono da Dinamarca.
O problema é que o jovem príncipe (Innokenti Smoktunovsky, ator de prestígio na época, mas, convenhamos, com 39 anos, um tanto velho para o papel) não sabe como viabilizar a vingança, uma vez que não há provas fáceis que incriminem seu tio. Outra questão: sua mãe, Gertrudes, traiu o rei com o cunhado.
Quem é culpado, o quanto é culpado e o quanto a natureza humana contribuiu para esse e outros crimes é o dilema que faz de Hamlet um louco para os cortesãos.
Não é só. Junto a traições de amigos -o único confiável é Horácio- e tentativas de assassinato, ele ainda nutre um amor tortuoso por Ofélia (a bela Anastasiya Vertinskaya), mulher que cai na verdadeira loucura, aquela que leva à destruição.
Apesar de parecer um filme dos anos 50, o "Hamlet" soviético possui fotografia e cenografia adequadas, simples e cumprindo a caracterização do texto. O diretor não o rodou como teatro-filmado, ao contrário, mantém uma câmera sempre em panorâmicas e travel-lings, instigando o olhar do espectador que mais se ateria ao discurso da obra shakespeareana.
Adaptações de "Hamlet" não faltam. Pelo menos 25 versões "fiéis" existem -do "Hamlet" de Clement Maurice (1900) ao "Hamlet" de Michael Almereyda (99), passando pelos ótimos "Hamlet" de Laurence Olivier (48) e de Kenneth Branagh (96) e o péssimo de Franco Zeffirelli (90).
O que só fortalece a leitura de Grigory Kozyntsev. Basta a última sequência, que mostra o protagonista carregado por espadas.


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