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ERUDITO
Maestro Ira Levin rege estréia brasileira da ópera "Jenufa", dirigida por Naum Alves de Souza, no Teatro Municipal
Erotomanias de Janacek: céu e inferno do amor
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Difícil de acreditar, mas é a
primeira montagem brasileira de "Jenufa". Aos 99 anos de
idade, a ópera de Leos Janacek
(1854-1928) não dá sinal de cansaço: estupenda música, descomunais paixões, uma inteligência humana inteiramente dentro da vida. Dentro do teatro, a gente fica
pequeno, escutando o grandioso
elenco de cantores, soprano polonesa Therese Waldner à frente.
Janacek (pronuncia-se "Iá-na-tchek") teve uma das carreiras
mais incomuns da história da
música. Até os 50 anos, era desconhecido; professor de música numa cidadezinha da Morávia. O
sucesso de "Jenufa", primeiro em
Praga, depois (traduzida para o
alemão por Max Brod, o amigo e
editor de Kafka) no resto da Europa, mudou tudo.
A isso soma-se o encontro, em
1916, com uma mulher 38 anos
mais jovem (e casada), por quem
o sexagenário compositor (também casado) nutriria um amor
forte o bastante para estimular
uma sucessão de obras-primas: as
óperas "Katya Kabanova" e "O
Caso Macropoulos", os dois quartetos de cordas, as peças para piano e o ciclo de canções "Diário de
um Desaparecido", entre outras.
Como se toda a pressão amorosa
e erótica estocada encontrasse afinal um objeto à altura, convenientemente inacessível.
Sabendo disso, tudo muda retrospectivamente em "Jenufa"; e a
direção de Naum Alves de Souza
tem o mérito de preservar a ambientação quase folclórica e quase
simplória do libreto original, baseado numa peça de Gabriela
Preissova. Mesmo a encenação,
que às vezes tende para o televisivo, em especial nas cenas do coro,
ganha um ar "antigo" que agora,
curiosamente, duplica o antigo da
peça. É o "realismo" entre aspas,
que a música explode de dentro,
como os amores e horrores explodem o texto também.
Nesses tempos de bonança vocal, fica até repetitivo dizer que o
elenco está homogeneamente
bem. Só não se pode deixar de dar
destaque para a voz intensa e sensual de Therese Waldner. Tem
sempre um pé na terra e outro no
inferno; equilibra a franqueza direta com o entendimento velado.
Sua opção final pelo homem que
lhe desfigurou o rosto -o tenor
americano Jeffrey Dowd, voz de
cobre- ganha com isso ares de
verdade: alegre e triste.
Mas o negócio de Janacek é
mesmo a erotomania. E ninguém
encarna isso melhor do que a Madrasta, cantada aqui pela soprano
americana Nina Warren. Enrustida, toda de preto (no ótimo figurino de época, de Miko Hashimoto), cabe a ela praticar o infanticídio na história. Só a susansontaguiana mecha sugeriria esse fogo, esse gelo. Só isso -e a voz.
Prata da casa: Regina Elena
Mesquita (Avó), Sebastião Teixeira (Capataz) e Sérgio Weintraub (Steva). Mais Carlos
Eduardo Marcos e Maria Lucia
Waldow, entre outros. Todos
cantando em tcheco -o que é
fundamental, porque Janacek
explora aqui, pela primeira vez,
a "melodia da fala", uma apropriação musical da prosa espontânea da língua, que o compositor anotava com afinco de ornitólogo.
Talvez não pareça, mas a música é bem difícil para a orquestra. Um pouco demais, talvez,
para a Sinfônica Municipal, que
levou a coisa com raça, sob a regência energética de Ira Levin. O
maestro está mantendo seu projeto de fazer a orquestra tocar
um repertório acima do que poderia com conforto. A aposta é
em resultados a médio prazo.
Vale a aposta; e uma montagem
como essa, no contexto, é um arrojo.
Jenufa
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos
de Azevedo, s/nš, região central de São
Paulo, tel. 222-8698)
Quando: hoje e sábado, às 20h30
Quanto: de R$ 15 a R$ 100
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