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Crítica/"O Crocodilo"
Moretti desvia foco de acusações
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O dilema de Nanni Moretti em "O Crocodilo"
era fazer um filme político, de denúncia (de atos de
Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro e magnata da mídia),
sem fazer um filme inócuo, de
tão previsíveis que seriam as
acusações (e, como decorrência, de tão chato que seria o filme). Sua solução, eficaz, consiste em criar um antigo produtor de filmes de gênero, hoje falido, cujos filmes -outrora desprezados pelas pessoas finas-
hoje são cultuados por críticos.
Na sinuca em que se encontra, o produtor Bruno Bonomo
lê mal e porcamente um roteiro
de denúncia contra Berlusconi
e imagina que se trata de um filme de ação. Mas as coisas já caminharam demais, de maneira
que ele se vê forçado a tocar
adiante a produção do roteiro.
De tempos em tempos, Moretti se permite introduzir observações contundentes sobre
Berlusconi, como a de que a Itália, desde os anos 70, é Berlusconi. Rápida notação que nos
permite pensar sobre a quase
morte do cinema italiano desde
aquela década. Em troca, floresceu a TV comercial de Berlusconi. Não se trata mais da
vulgaridade simpática que fascinava Fellini; para Moretti, o
fenômeno é de degeneração.
Os inúmeros casos nebulosos
em que Berlusconi esteve envolvido não se tornam o centro
dos acontecimentos. Produzir
um filme, sim: o abandono da
mulher, a distância dos filhos, a
ameaça de falência, assim como
a capacidade quase infinita de
sonhar e de dar concretude a
seu sonho: tudo isso é que faz o
encanto de Bonomo e, em grande parte, do filme. Em vez de
denunciar um político a quem
tanto odeia, Moretti toma como foco do filme a capacidade
de resistir à adversidade de alguns -Bonomo em especial.
O CROCODILO
Direção: Nanni Moretti
Onde: hoje, às 18h10, no Cine Bombril;
seg., às 17h20, no Unibanco Arteplex 2;
ter., às 21h50, no Espaço Unibanco 3
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