São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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CRÍTICA/"GINGA"

Documentário da produtora 02, de Fernando Meirelles, mostra relação de dez brasileiros com o esporte

Filme registra vidas voltadas para o futebol

Divulgação
Cena de "Ginga" com o amazonense Celso, que treina em praias de rio; documentário aborda ainda profissionais como Falcão e Robinho


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Com um pouco de má vontade, seria possível demolir o documentário "Ginga" com uma frase: "Parece um longo comercial da Nike". E não só porque a multinacional de material esportivo é co-produtora do filme, ao lado da O2, de Fernando Meirelles, mas sobretudo por seu ritmo e sua linguagem audiovisual.
De fato, estão ali, em montagem "clipada", lances espetaculares de futebol (de campo, de salão, de rua, de praia), mesclados com imagens turísticas do Brasil, cenas de samba, capoeira e macumba, reforçando o clichê do brasileiro como povo dionisíaco e solar, que vive para a festa.
Trata-se, como se sabe, de um mito perigoso, que nos condena ao papel da cigarra na fábula de Esopo. Enquanto os outros povos trabalham, pesquisam, derrotam o câncer, mandam sondas a Marte, nós sambamos e jogamos bola. Que beleza.
Mas vamos com calma. Primeiro, cabe resumir o filme. "Ginga" registra sumariamente a relação com o futebol mantida por oito brasileiros anônimos e dois profissionais famosos (Falcão, do futsal, e Robinho).
Embora o ritmo seja frenético e a abordagem superficial, os personagens retratados são em si mesmos extraordinários, o que garante o interesse. Juntos, eles formam um painel no mínimo curioso sobre as maneiras como o futebol permeia a vida de pessoas das mais distintas situações sociais e geográficas.
Há, por exemplo, Wescley, jovem negro de Niterói que se preparava para fazer um teste no Vasco da Gama quando sofreu um acidente e perdeu uma perna. Com a ajuda de muletas, ele continuou jogando uma bola redondinha e hoje sonha em ir a uma paraolimpíada.
A milhares de quilômetros de Wescley, o amazonense Celso, que mora numa aldeia nos confins da selva, treina em praias de rio. Uma vez por ano, viaja de barco durante dias com seu time para disputar em Manaus o Peladão, o maior torneio de futebol amador do mundo.
Só esse torneio, que reúne centenas de equipes da Amazônia e tem uma concorrida eleição de rainha da competição, valeria um documentário à parte.
Há duas mulheres entre os retratados: a webdesigner carioca Natalie, uma das pioneiras do futvôlei entre mulheres nas praias do Rio, e a adolescente paulista Karine, recordista brasileira de "embaixadinhas", que trabalha na pizzaria do pai.

Lugar ao sol
Os dois casos mais clássicos de garotos pobres lutando por um lugar ao sol num clube profissional são os de Romarinho, que mora na Rocinha e consegue uma vaga na "peneira" do Flamengo, e Paulo César, também favelado, que não tem a mesma sorte ao tentar um lugar na Portuguesa, em São Paulo.
A cena em que Paulo César volta de ônibus para casa, depois de rejeitado no teste na Lusa, poderia ser um belo momento, se a câmera não caísse no vício televisivo de dar um "zoom" para buscar as lágrimas do garoto. Outro personagem que, bem explorado, daria um filme à parte é o paulistano Sergio.
Garoto branco de classe média, ele teve que vencer o preconceito dos colegas negros e pobres para mostrar que tinha um futebol tão bom quanto o deles, aliás melhor. São bizarras as cenas em que Sergio "teina" nos cômodos mais apertados de seu apartamento, tendo como coadjuvantes os irmãos e a própria mãe.
A mensagem do filme, no fundo, é essa: com qualquer coisa vagamente esférica (bola de meia, laranja, coco) e em qualquer metro quadrado de chão, o brasileiro cria um Maracanã imaginário. Mito ou não, é uma idéia potente e bonita. Outro momento precioso do documentário são os registros em vídeo que mostram Robinho dando um show no futsal aos oito anos de idade.
Se for comparado ao documentário "Futebol", de João Moreira Salles e Arthur Fontes (sobretudo em sua primeira parte, que trata das "peneiras"), "Ginga" revelará toda a sua ligeireza e fragilidade. Mas o fato é que o filme envolve o espectador de modo irresistível. Exatamente, aliás, como um comercial da Nike.


Ginga
   
Direção:
Hank Levine, Marcelo Machado e Tocha Alves
Produção: Brasil, 2006



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