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CRÍTICA/"GINGA"
Documentário da produtora 02, de Fernando Meirelles, mostra relação de dez brasileiros com o esporte
Filme registra vidas voltadas para o futebol
Divulgação
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Cena de "Ginga" com o amazonense Celso, que treina em praias de rio; documentário aborda ainda profissionais como Falcão e Robinho |
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Com um pouco de má vontade, seria possível demolir o
documentário "Ginga" com uma
frase: "Parece um longo comercial da Nike". E não só porque a
multinacional de material esportivo é co-produtora do filme, ao
lado da O2, de Fernando Meirelles, mas sobretudo por seu ritmo
e sua linguagem audiovisual.
De fato, estão ali, em montagem
"clipada", lances espetaculares de
futebol (de campo, de salão, de
rua, de praia), mesclados com
imagens turísticas do Brasil, cenas
de samba, capoeira e macumba,
reforçando o clichê do brasileiro
como povo dionisíaco e solar, que
vive para a festa.
Trata-se, como se sabe, de um
mito perigoso, que nos condena
ao papel da cigarra na fábula de
Esopo. Enquanto os outros povos
trabalham, pesquisam, derrotam
o câncer, mandam sondas a Marte, nós sambamos e jogamos bola.
Que beleza.
Mas vamos com calma. Primeiro, cabe resumir o filme. "Ginga"
registra sumariamente a relação
com o futebol mantida por oito
brasileiros anônimos e dois profissionais famosos (Falcão, do futsal, e Robinho).
Embora o ritmo seja frenético e
a abordagem superficial, os personagens retratados são em si
mesmos extraordinários, o que
garante o interesse. Juntos, eles
formam um painel no mínimo
curioso sobre as maneiras como o
futebol permeia a vida de pessoas
das mais distintas situações sociais e geográficas.
Há, por exemplo, Wescley, jovem negro de Niterói que se preparava para fazer um teste no
Vasco da Gama quando sofreu
um acidente e perdeu uma perna.
Com a ajuda de muletas, ele continuou jogando uma bola redondinha e hoje sonha em ir a uma paraolimpíada.
A milhares de quilômetros de
Wescley, o amazonense Celso,
que mora numa aldeia nos confins da selva, treina em praias de
rio. Uma vez por ano, viaja de barco durante dias com seu time para
disputar em Manaus o Peladão, o
maior torneio de futebol amador
do mundo.
Só esse torneio, que reúne centenas de equipes da Amazônia e
tem uma concorrida eleição de
rainha da competição, valeria um
documentário à parte.
Há duas mulheres entre os retratados: a webdesigner carioca
Natalie, uma das pioneiras do futvôlei entre mulheres nas praias do
Rio, e a adolescente paulista Karine, recordista brasileira de "embaixadinhas", que trabalha na
pizzaria do pai.
Lugar ao sol
Os dois casos mais clássicos de
garotos pobres lutando por um
lugar ao sol num clube profissional são os de Romarinho, que mora na Rocinha e consegue uma vaga na "peneira" do Flamengo, e
Paulo César, também favelado,
que não tem a mesma sorte ao
tentar um lugar na Portuguesa,
em São Paulo.
A cena em que Paulo César volta
de ônibus para casa, depois de rejeitado no teste na Lusa, poderia
ser um belo momento, se a câmera não caísse no vício televisivo de
dar um "zoom" para buscar as lágrimas do garoto. Outro personagem que, bem explorado, daria
um filme à parte é o paulistano
Sergio.
Garoto branco de classe média,
ele teve que vencer o preconceito
dos colegas negros e pobres para
mostrar que tinha um futebol tão
bom quanto o deles, aliás melhor.
São bizarras as cenas em que Sergio "teina" nos cômodos mais
apertados de seu apartamento,
tendo como coadjuvantes os irmãos e a própria mãe.
A mensagem do filme, no fundo, é essa: com qualquer coisa vagamente esférica (bola de meia,
laranja, coco) e em qualquer metro quadrado de chão, o brasileiro
cria um Maracanã imaginário.
Mito ou não, é uma idéia potente
e bonita. Outro momento precioso do documentário são os registros em vídeo que mostram Robinho dando um show no futsal aos
oito anos de idade.
Se for comparado ao documentário "Futebol", de João Moreira
Salles e Arthur Fontes (sobretudo
em sua primeira parte, que trata
das "peneiras"), "Ginga" revelará
toda a sua ligeireza e fragilidade.
Mas o fato é que o filme envolve o
espectador de modo irresistível.
Exatamente, aliás, como um comercial da Nike.
Ginga
Direção: Hank Levine, Marcelo Machado
e Tocha Alves
Produção: Brasil, 2006
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