São Paulo, quinta, 22 de outubro de 1998

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FLORES DE XANGAI
Filme vale o esforço

AMIR LABAKI
de Nova York

Estabeleça-se de pronto: "Flores de Xangai" não é um filme fácil. Nada de trama ligeira, estrelas para imediata identificação, truques dramáticos conhecidos. Ainda assim, jamais foi tão direto e elegante o cinema de Hou Hsiao-hsien (lê-se rou tiao tien), de Taiwan.
Hsiao-hsien, ainda no final da década passada, adiantou a nova onda asiática, que revelou de Chen Kaige a Wong Kar-wai. Seu compassado épico familiar, "Cidade da Tristeza", levou o Leão de Ouro de Veneza-89. Outro mergulho na história da China deste século, "O Mestre de Marionetes", conquistou o Prêmio do Júri de Cannes-93.
São filmes lentos, exigentes, minimalistas. As cenas se alongam, os cortes se retardam, o diálogo cumpre papel essencial. Nessas primeiras obras, a câmera permanecia estática. Hsiao-hsien foi liberando-a aos poucos para bailar em torno dos personagens. Nasceram alguns dos mais elaborados planos-sequências do cinema contemporâneo.
Martin Scorsese disse que foi "cativado pela utilização do ritmo no cinema de Taiwan, sobretudo no de Hsiao-hsien". Mas, na presidência do júri de Cannes deste ano, Scorsese perdeu a chance de pagar tributo ao mestre. "Flores" saiu de mãos abanando.
Em "Flores de Xangai" contam-se exatos 42 planos para duas horas e quatro minutos de projeção. Um filme normal tem cerca de dez vezes mais planos. Hsiao-hsien reeduca os sentimentos com sua precisão.
Sem nem sequer uma cena de sexo, "Flores" reconstitui o cotidiano das prostitutas de luxo na Xangai do final do século 19. Hsiao-hsien estuda as relações de comércio e de poder envolvendo a exploração feminina.
Garotas de 8 ou 9 anos eram adquiridas por bordéis e domadas para servir aos ricos fregueses. Se revelavam talento, podiam tirar a sorte grande de um abastado cliente exclusivo.
O filme retrata três variações desse mesmo drama. Um homem casa com uma prostituta para desamparo de outra. Uma cortesã luta para comprar seu próprio "passe". Outra busca o casamento, indignada com o papel subalterno que lhe tem sido reservado.
É manter os sentidos atentos e usufruir de uma das mais complexas reconstituições da China há cem anos. Quem perder merece ver "Armageddon".
²
Quando: hoje, às 14h30, no Unibanco


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