São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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INFANTIL

Artistas em São Paulo aproveitam a dissolução contemporânea dos gêneros para produzir técnicas inovadoras

Mescla de linguagens anima teatro de objetos

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
EDITORA DA FOLHINHA

Crianças paulistanas já se acostumaram a ouvir e ver contando histórias bonecos vestidos nas mãos, pendurados em fios, nas pontas das varas ou sentados em mesas iluminadas com montanhas ou outros cenários atrás deles. Figuras assim são integrantes do repertório do teatro de animação, além das máscaras, dos objetos e de estranhas criaturas que se movimentam na luz negra das caixas pretas dos teatros.
Esse gênero, que conquistou sucesso de público com peças excepcionalmente boas, como "Zôo-Ilógico" e "Pedro e o Lobo" (no quadro ao lado), começa a se constituir como linguagem em espetáculos com atores.
Isso ocorre com os bonecos-personagens do musical "Os Direitos da Criança", protagonizado por Gabriela Duarte e dirigido por Osvaldo Gabrieli. Sobre essa peça, Gabrieli disse que usou a fábula e objetos animados para criar seu sistema metafórico. Com sagacidade, combinou boneco e ator, e é isso, segundo ele, que garante a qualidade do espetáculo.
"A gente utiliza mais a linguagem da fábula para falar dos direitos das crianças. O sentido da fábula, por exemplo, está numa cena de crianças com defeitos físicos. Para evitar a discriminação, em vez de atores fazendo crianças, usamos figuras grandes e pequenas, azuis e amarelas."
A mistura de colagem, arte multimídia, teatro de sombras, de luz negra tem caracterizado a arte cênica produzida nas últimas décadas, e o teatro infantil acompanha a tendência. Exemplos dela são peças que estrearam em 2004, como "Rapunzel" e "Armazém do Eugênio", em que os limites do ator, do manipulador e do contador de histórias se atenuam.
Carlos Cesare, 38, único ator do "Armazém", que iniciou seu trabalho no teatro com fantoches, considera seu personagem metade ator e metade boneco. "Os acessórios são bonecos, só que eu os deixo com mais partes humanas, um homem vestido de foca não é uma foca. É outro olhar sobre a fantasia. Cheguei a usar pernas postiças e houve números em que encolhi, parecendo um boneco dentro de um teatrinho, o que é uma cena clássica."
A fusão de linguagens ocorre também em trabalhos de grupos que atuam há pelo menos 20 anos em São Paulo, como o Pia Fraus, que tem em cartaz "Bichos do Brasil" e "Histórias do Brasil".
Para Beto Andretta, 42, que é da companhia, "o que interessa é a junção boneco-bailarino, boneco-ator. Eu me interesso por procurar a terceira via de expressão, que gera outro tipo de comunicação. O grupo Sobrevento também se dedica a essa pesquisa. Na fusão, há muito a ser explorado".
"Zôo-Ilógico", de Claudio Saltini e Henrique Sitchin, 38, fundadores do grupo Truks, que ganhou visibilidade pública cerca de 15 anos atrás com "Truks, a Bruxinha", manipula objetos. Copos, talheres e toalhas de um piquenique se transformam em vívidos animais de um zôo encantado.
Sitchin diz que seu trabalho reflete sobre uma espécie de metáfora transformadora: "Dois devaneios envolvem o teatro de objetos de "Zôo...". É plausível imaginar que o homem primitivo tenha brincado com a sombra e também não é demais imaginar que tenham usado pedras de vários tamanhos para descrever uma caçada antes da criação da linguagem verbal. Esses devaneios são a base do teatro de animação".
De acordo com Claudio Saltini, 42, o sucesso de "Zôo-Ilógico" deve-se também ao histórico do trabalho tanto dele como de Sitchin. "Abandonamos o teatro de objetos pelo qual começamos, conquistamos maturidade em "Truks, a Bruxinha" (inspirada na personagem de Eva Furnari) e agora associamos o teatro de animação a nosso trabalho de clowns. Creio que isso é uma das bases do sucesso", explica.


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