São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2004

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"O QUE DIZ MOLERO"

Atores realizam interpretação antológica de vários personagens, dirigidos por Aderbal Freire-Filho

Integração perfeita torna espetáculo imperdível

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Cena de "O que Diz Molero", espetáculo sob direção de Aderbal Freire-Filho, com texto de Dinis Machado, em cartaz no Sesc Anchieta


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O que faz de "O que Diz Molero" um espetáculo inesquecível não é apenas o cenário monumental de José Manuel Castanheira, cujo sábio despojamento justifica o prestígio internacional, nem o revolucionário texto de Dinis Machado, que com fôlego vertiginoso, humor e poesia cria uma espécie de odisséia feliniana dos anônimos de uma aldeia portuguesa -ou seja, do mundo.
Não se faz imprescindível apenas pela consagração definitiva do método do encenador-adaptador Aderbal Freire-Filho, o "romance-em-cena", que tem como ponto de honra não modificar uma vírgula do original, e revela como resgatar a palavra no palco sem abrir mão da teatralidade, façanha levada à perfeição pelos atores-criadores.
A leitura ganha clareza ainda maior com a luz de Maneco Quinderé, o figurino de Biza Vianna e a trilha de Dudu Sandroni -mas nenhum desses elementos, por si só, bastaria.
O que faz "Molero" ser antológico é a perfeita integração de seus criadores. Dos solenes fichários de Castanheira saem os adereços que vão compor as centenas de personagens em que os seis atores se multiplicam, e essa euforia de cabaré brechtiano, que Aderbal tão bem domina, é a perfeita tradução da fábula metalingüística de Machado.
O que diz Machado, afinal, em seu texto quebra-cabeça no qual o narrador está ausente e o protagonista é anônimo, é sobre a importância de contar histórias, como um fim em si para justificar a banalidade do mundo.

Antológicos
Como nos melhores espetáculos, é dos atores a responsabilidade maior. E eles não decepcionam nunca.
Orã Figueiredo, por ser o Zuca do grupo, o líder que dá o ritmo, mereceu o Prêmio Shell, mas Augusto Madeira, com um tragicômico suicídio em cadeira de rodas, Cláudio Mendes, cuja opulência é inesperada matéria-prima de mulheres tocantemente submissas, ao inverso de Raquel Iantas, cuja falsa magreza resulta às vezes em sensualidade rachmaninófica, junto a Gillray Coutinho, um Robin Williams brasileiro, e Chico Diaz, o atônito protagonista anônimo, são igualmente antológicos.
A crítica raramente foi tão unânime e no Rio de Janeiro e em Curitiba consagrou o espetáculo por reunir pesquisa e diversão, lirismo e humor. Falta alguma coisa? Sim: falta o público, sem o qual tudo é em vão.
Inexplicavelmente, anda vazio o Sesc Consolação. Se o prestígio do crítico ainda valer alguma coisa, aposto todas as minhas estrelas neste "O que Diz Molero".


O que Diz Molero
    
De: Dinis Machado
Direção: Aderbal Freire-Filho
Com: Augusto Madeira, Raquel Iantas, Orã Figueiredo, Cláudio Mendes, Gillray Coutinho, Chico Diaz
Onde: Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, região central, tel. 3234-3000)
Quando: sexta, às 21h; sábado, às 20h; domingo, às 19h; até 1º/8
Quanto: R$ 20
Patrocínio: BrasilTelecom



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