São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2004

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ARTES CÊNICAS

Companhia estréia espetáculo "Transex", ambientado na praça Roosevelt e que inaugura uma trilogia

Grupo Satyros encena o amor transexual

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma peça sobre travestis e transexuais que não é fixada em "travestismo", submundo da prostituição ou outros impulsos antropológicos ou sociais. "Transex" fala de amor, sobretudo.
Em se tratando de nova montagem do grupo Os Satyros, que entra em cartaz amanhã, não se espera pílulas douradas. Ao contrário. O recorte para o sentimento universal vem da própria intimidade que os artistas do grupo colhem da convivência com esses personagens da vida real na praça Roosevelt, onde plantou seu espaço em 2000.
Duas pessoas inspiraram o projeto dos Satyros: a cubana Phedra D. Córdoba, 67 (que atua em "A Filosofia na Alcova", em cartaz), e a paulistana Savana Meirelles, 36 (que participou de peça do grupo em 1992 e o reencontrou agora).
Em "Transex", elas são respectivamente as transexuais Phedra e Bibi (interpretada por Meirelles), amigas das protagonistas Tereza (Ivam Cabra) e Marlene Glória (Soraya Saide), que dividem apartamento na praça Roosevelt.
Tereza é apaixonada por um extraterrestre, que apareceu súbito em sua vida, nu como veio ao mundo, e desde então a mobiliza. Marlene descrê da história da amiga e tenta associá-la a uma aparição de Exu, experiência pela qual também já passou.
Mas nada a demove da paixão pelo ser que só ela vê e com quem diz transar.
Esse mote é real. Savana Meirelles apaixonou-se por um ET, em 2003. Sua história, claro, veio a público com tintas sensacionalistas. Phedra de fato tentou convencê-la de que era Exu, mas de nada adiantou.
Agora, em "Transex", elas contracenam com as personagens extraídas de suas próprias vidas, Tereza e Marlene. Tereza é nome inspirado em santa Tereza d'Ávila (1515-82), de quem a mãe da personagem lia os poemas. Ela chega a citar uns versos:
"Para chegares a ser tudo, não queiras ser coisa alguma... Para chegares ao que és, hás de ir por onde não és".
A esse exercício metateatral, o diretor e autor Rodolfo García Vázquez imbrica por composição que inclui René, um transexual. Antes, parênteses para a definição que o grupo Os Satyros coloca apropriadamente no material distribuído aos jornalistas:
"Transexual é, do ponto de vista clínico, a pessoa que se sente psíquica e anatomicamente como pertencente ao sexo oposto. Pode ter diferentes orientações sexuais: homossexual, bissexual ou heterossexual".
René (interpretado por Alberto Guzik) é uma mulher que colocou o pênis no lugar da vagina por meio de uma operação. Como professor de pintura de Tereza, se apaixona por esta. Eis um dos fios do novelo.
Na interpretação, o jogo teatral leva os atores a mesclar registros da comédia, drama, melodrama, vaudeville, dublagem e farsa.
A história é ambientada em 1968, ano das revoltas estudantis pelo mundo, mas também da crença na força do amor e na liberação sexual.
As "meninas" de "Transex" conhecem o mundo e o amor "pelo avesso". "Nasci no corpo errado", diz Tereza. Alma feminina em corpo masculino.
"Transex" abre uma trilogia que inclui "A Vida na Praça Roosevelt", da alemã Dea Loher, cujo grupo Thalia Theater, de Hamburgo, encenará no Sesc Anchieta na próxima semana. A terceira peça será "Há Vida na Praça Roosevelt", com textos curtos de Mário Bortolotto, Sérgio Roveri, Mário Viana, Jarbas Capusso Filho e Ivam Cabral.


TRANSEX. Texto e direção: Rodolfo García Vázquez. Com: Os Satyros (Fabiano Machado, Tatiana Pacor, Marcela Randolph, Laerte Késsimos e outros). Cenário e figurinos: Fabiano Machado. Onde: Espaço dos Satyros (pça. Roosevelt, 214, tel. 3258-6345). Quando: estréia amanhã, às 21h30; qui. a sáb., às 21h30; dom., às 20h30; até 19/ 12. Quanto: R$ 10 e R$ 5 (para todas as pessoas que forem vestidas com trajes do sexo oposto, transexuais, travestis e drag queens).


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