São Paulo, quarta-feira, 23 de setembro de 2009

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Dias e Riedweg erotizam política em retrospectiva

Dupla de artistas vai do universo do funk e do canibalismo dos tupinambás à Constituição "banguela" em dez instalações

"Quando a gente fala em política, não vê o erótico, que é a não anestesia, o que vai gerar a subjetividade, a beleza", diz Maurício Dias

LeonardoWen/Folha Imagem
A dupla de artistas Walter Riedweg e Maurício Dias

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Funkeiros no morro Dona Marta fazem farofa de cérebro de neném. E os artistas Maurício Dias e Walter Riedweg levantam um espelho incômodo. Reencenam na favela os rituais canibalísticos dos tupinambás.
Dias, brasileiro, e Riedweg, suíço, fazem de toda a sua obra e de "Funk Staden", peça central de retrospectiva no Instituto Tomie Ohtake, um estudo espelhado do outro, deglutido, sexuado, traduzido em versos e nas cláusulas da Constituição.
"Quando a gente fala em política, não vê o lado erótico", afirma Dias. "O que eu chamo de erótico é a não anestesia, o que gera a subjetividade, a beleza."
Sem anestesia, corpos negros e brancos, belos ou não, sacodem em agonia, emoldurados pelos morros da baía de Guanabara, mesmo cenário onde o alemão Hans Staden sofreu nas mãos dos tupinambás e sobreviveu para narrar todo o horror.
Num transe análogo ao dos índios canibais, mais corpos sacolejam ritmados na instalação "Universo do Baile". Ao lado, a bandeira do Brasil está inerte e uma travesti banguela lê garantias constitucionais de igualdade. No chão, balanças verdes e amarelas indicam quanto pesam -ou quanto valem- os visitantes dessa pátria amada.
Cargas política e sexual são indissociáveis nos vídeos dos dois. Dias e Riedweg enxergam na imobilidade do Brasil uma latência erótica paralisante, como se a volúpia desse mais peso aos passos sobre as balanças.
"Aqui só se fala em flores, quando temos de ir além das flores", diz Dias, num eco torto, talvez datado, da canção antiditadura de Geraldo Vandré, aquela dos versos "acreditam nas flores, vencendo o canhão".
Em Dias e Riedweg, as flores são o batom vermelho da travesti sem dentes, o fio dental com strass das garotas do funk.
O canhão é um retorno à exaltação das margens, do lema de Hélio Oiticica, que pregava: "Seja marginal, seja herói".
"Todo mundo é marginal", resume Riedweg, acostumado ele mesmo a visitar as bordas da sociedade. Em Barcelona, pôs a máscara do próprio rosto em garotos de programa. Num deserto das Ilhas Canárias, deu espelhos a dois homens em busca de sexo fácil na areia.
"Ele estava procurando ele mesmo", diz Dias, sobre o homem do vídeo. "No final, a gente está falando de nós mesmos; esse espelho é o nosso paraíso possível, um paraíso outro."


DIAS & RIEDWEG
Quando:
de ter. a dom., das 11h às 20h; até 25/10
Onde: Tomie Ohtake (av. Brig. Faria Lima, 201, tel. 2245-1900)
Quanto: entrada franca
Classificação indicativa: livre



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