São Paulo, quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Índice

Crítica/ "O Inferno Sou Eu"

Marisa Orth mostra versão pungente para a escritora Beauvoir

Segura e afinada, atriz é ponto alto da encenação, que recria a viagem da francesa, com Sartre, pelo Brasil nos anos 1960

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
A atrizMarisa Orth, protagonista da peça ‘O Inferno Sou Eu’

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O drama é a invenção de possibilidades. O espetáculo "O Inferno Sou Eu" recria a viagem que a escritora francesa Simone de Beauvoir fez ao Brasil nos anos 1960. A dramaturga Juliana Rosenthal K. recorta sua trama a partir de fatos históricos. A estratégia é convencional, mas a encenação resultante traz surpresas.
O texto situa Beauvoir em Recife, morando na casa de uma brasileira, depois de três meses viajando pelo país com seu companheiro de vida e ideais, o filósofo Jean-Paul Sartre. Ao lado da escritora, que convalesce de uma doença infecciosa adquirida na Amazônia, está uma jovem pernambucana que a admira, estudante de letras e de origem humilde.
Com esses elementos, Rosenthal K. traça uma verossímil trajetória de transformação das duas personagens. A parte mais interessante é a que explora o lado sombrio da atitude magnânima de Beauvoir quanto às notórias amantes de Sartre. Há um lento desmascarar da suposta indiferença da escritora às humilhações que lhe eram impostas. Outro aspecto, menos bem resolvido, é o sabido amor de Beauvoir por um escritor norte-americano. A citação de trechos de cartas a ele, provavelmente literais, não alivia o exagero de seu derramamento naquelas circunstâncias.
Qualquer fragilidade dramática é compensada, no entanto, pelo desempenho de Marisa Orth como Simone de Beauvoir. É surpreendente reencontrar a atriz em um trabalho à altura de seu talento. Gratifica vê-la tão segura e afinada dando asas ao voo da dramaturgia e criando uma versão pungente da famosa escritora. Ao revelar aspectos mais femininos do que feministas da personagem, e expressar as dores de uma mulher abandonada, ela torna crível uma fantasia improvável.
Outro aspecto notável do espetáculo é a inteligência do diretor José Rubens Siqueira, pontuando com um mínimo de elementos de sonoplastia e luz o desenvolvimento da ação. Ele tem a bagagem intelectual necessária para tratar com sutileza o universo carregado de implicações morais e filosóficas da dupla Beauvoir-Sartre. O desafio da dramaturga foi eleger uma heroína no passado e tratar de desvesti-la aos olhos de seu próprio tempo. Talvez não seja ainda um texto que, como diz sua personagem, mereça "de verdade, existir para os outros". Mas é aquele que foi possível.


O INFERNO SOU EU

Quando: sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 25/4
Onde: teatro Jaraguá (r. Martins Fontes, 71, 3255-4380)
Quanto: de R$ 70 a R$ 80
Classificação indicativa: 12 anos
Avaliação: bom




Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.