São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Exposição no Sesc Paulista reúne peças inspiradas em veredas desbravadas por Guimarães Rosa

Sertão mítico confronta o real na obra de Macedo

Divulgação
"Altar Barroco", escultura de madeira queimada que pode ser vista por quem passa pela Paulista


JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O jagunço, o lobo como símbolo do demônio, o entorno da natureza e um anjo mostram que se está no universo das veredas de Guimarães Rosa. As curvas barrocas e os elementos sintéticos de um altar de igreja remetem à paisagem de Ouro Preto. A madeira calcinada e os pequenos fornos negros fazem alusão à paisagem tomada por carvoarias no Norte de Minas Gerais.
Na exposição "Nonada", do mineiro Ronaldo Macedo Brandão, as contradições não decorrem da poética do artista, mas da realidade que ele foi pesquisar em seu Estado natal quando retornou de temporada em Nova York, no final da década de 90. Ele foi a campo confrontar o sertão real com o imaginário herdado de Guimarães Rosa sobre esse universo.
Encontrou um espaço industrial de transformação de eucalipto em carvão: fornos dispostos na paisagem como arte minimalista e carvoeiros tendo seu trabalho explorado de forma degradante.
As esculturas descritas no primeiro parágrafo deste texto são todas feitas em madeira queimada com maçarico e posteriormente talhadas. A idéia de trabalhar com carbonização de madeira surgiu em uma visita que Macedo fez à Igreja Matriz do Carmo, na cidade de Mariana, cuja nave principal havia sido destruída em um incêndio no início de 1999.
"Ao entrar na igreja e observar várias peças de madeira completamente carbonizadas, tive uma sensação de angústia próxima à que senti em muitos momentos visitando as carvoarias do norte de Minas", relata. "A perda de objetos de arte barroca despertou um sentimento de resignação e lamento comparável ao da perda de uma floresta de mata nativa do cerrado, destruída para alimentar a produção de carvão."
A crítica ambiental e social presentes na obra do artista, bem apontadas no texto de Laymert Garcia dos Santos para o folder da exposição, não sobrepujam a riqueza plástica das peças, que inserem-se em uma longa tradição de escultura de Minas Gerais.
Segundo Macedo, a questão rural é muito presente ainda no imaginário mineiro. "A característica rústica das construções, o fogão de lenha chamuscado são imagens que guardo como elementos de uma convivência muito agradável."
A exposição é acompanhada de trilha sonora, que mescla sons incidentais de fogo estalando captados durante a produção das peças, elementos religiosos como sinos de igreja ou órgão de catedral e falas incompreensíveis. "No silencioso crepitar do fogo, a exposição de Ronaldo Macedo Brandão nos atinge como um grito", escreve Laymert Garcia.
As obras foram todas feitas em 2001 e apresentadas como projeto de mestrado na Unicamp. Mas o artista continua trabalhando na mesma série: "Quando penso nas possibilidades de exploração poética deste material, fico fascinado; quero produzir até, talvez, esgotar o assunto", explica.


NONADA - Exposição individual de Ronaldo Macedo Brandão. Quando: vernissage hoje, às 19h; seg. a sex., das 10h às 19h. Até 23/8. Onde: galeria Sesc Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3741). Quanto: entrada franca.



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