|
Texto Anterior | Índice
DANÇA/CRÍTICA
Com o Balé da Cidade, a bossa nova se transforma em outra bossa
Eduardo Knapp/Folha Imagem
|
Ensaio de "Bossa", com o Balé da Cidade, coreografado por Henrique Rodovalho (de costas) |
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
"Eu quis amar mas tive medo. Eu quis salvar meu coração." Dançando invisivelmente
no espaço do teatro, os versos de
"Água de Beber" (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) abrem sozinhos a nova coreografia de Henrique Rodovalho para o Balé da Cidade, inspirada na (e intitulada)
"Bossa". Já definem as alegrias e
tristezas que estão pela frente, e
abrem "todas as portas" para as
ironias azuis desse balé, que estreou anteontem no Municipal,
num programa que inclui boas
remontagens de "Lac", "Adagietto" e "Máscaras do Tempo".
Movimentos tortuosos, assimétricos, alternando momentos de
serenidade com outros cheios de
acentos, quando um corpo passa
pelo outro quase sem se tocar. Fica no ar o risco de uma revelação
que não se dá. Quase uma alegoria sentimental da bossa nova como projeto brasileiro, um ideal
interrompido de civilidade.
Na dança isso leva também às
narrativas de um encontro que
nunca acontece, nutrido pelas
provocações e tentativas mútuas
de novos relacionamentos. No
fundo, vê-se o vídeo-cenário de
uma sala de espera, outra imagem
que, no contexto, não pode não
ser lida como símbolo.
No desenvolvimento da peça os
movimentos se desdobram criando estruturas novas e repetições
com variantes. São solos, duos,
trios. Tudo muito engenhoso e
charmoso. Um crítico mais duro
dirá que o sentido maior do conjunto escapa à peça: a dramaturgia tem suas fraquezas, especialmente nas tiradas visuais e sonoras. A bossa nova é uma outra
bossa, mas sempre corre o perigo
de se diminuir em acrílico, o que é
parte da ironia de Rodovalho, decerto, mas talvez nem sempre
vença seu próprio humor.
Um caso bem-sucedido é o duo
de Luiza Meirelles e Yasser Diaz,
ao som de "Só Danço Samba", ela
num samba e ele num break, que
deságua no samba na passagem
de um pelo outro. Aqui está tudo
em evidência: braços, pernas, corações, no ar picante e leve de
uma intimidade nova, uma nova
bossa.
"É, você que é feita de azul/ Me
deixa morar neste azul", canta
Elis acompanhada pelo piano de
Tom Jobim, e nesses momentos
não se sabe mais até que ponto a
azulada acrílica sala de espera não
serve, afinal, de cenário certo para
as irresoluções brasileiras, cujo
ponto de fuga será uma felicidade
inusitada, joão gilbertiana, mas
cujo ponto de chegada parece
sempre triste, para não dizer comicamente além de onde se está.
"Quem ouvir o hô-ba-la-lá..."
Balé da Cidade
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš; tel. 223-3022)
Quando: hoje, às 21h; amanhã, às 11h;
27/7, às 21h
Quanto: de R$ 10 a R$ 15
Texto Anterior: Música: Nova geração do rap diversifica rimas Índice
|