São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
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CRÍTICA
Milton redime o crooner Bituca

FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local

Talvez fosse preciso levar a sério a fantasia do crooner Milton Nascimento para poder começar a falar de "Crooner", o show de Milton Nascimento que estreou anteontem no Palace.
É o que o próprio Milton faz o tempo inteiro: fingir que é Bituca, o desajeitado cantor da noite que começou animando bailes no interior de Minas com 14 anos de idade. Não é fácil acompanhá-lo. Custa entender o espírito do jogo, participar da brincadeira, porque o resultado é musicalmente muito ruim, quando não constrangedor.
Devemos de fato simular que estamos participando de um bailinho de debutantes num recanto qualquer do Brasil provinciano de 40 anos atrás? Devemos ignorar que o "crooner" tem mais de 30 discos nas costas, um lugar de destaque e um papel histórico dentro da MPB? Podemos esquecer do "Milagre dos Peixes" (73), dos dois "Clube da Esquina" (72 e 78), de "Minas" (75), de "Geraes" (76), da obra-prima pouco citada que também é "Sentinela" (80), do próprio "Nascimento" (97)?
Mas é esse o preço, involuntariamente amargo, que Milton nos cobra para participar de seu baile da saudade semi-amadorístico, extemporâneo.
"Crooner" é, sim, um disco menor, minúsculo se posto em confronto com a obra de Milton, a despeito das razões pessoais, afetivas, que o levaram a gravá-lo. E o show, muito grudado à proposta do CD, não poderia ser diferente.
Não que as pessoas não se empolguem. O público atende ao chamado do cantor, participa do bailinho. Mas a vocação do público é sempre a de aderir aos ídolos. Visto, porém, com meio palmo de distância, é melancólico acompanhar a evolução de casais que se acotovelam ao som de "Only You" numa pista menor do que deveria ser, enquanto o restante da platéia permanece encaixotada num ambiente em que há mesas demais para espaço de menos. A classe média está espremida também no Palace. Sinal dos tempos.
O tempo de Milton, porém, é outro. É um tempo dourado, de boleros e guarânias, em que o virtuosismo vocal americanizado e ingenuamente lírico dos Cariocas fazia sentido, em que o flautista Bebeto, do Tamba Trio, representava uma novidade e um estilo, um tempo musicalmente pré-moderno, em que a bossa nova ainda não havia sido educada na lâmina afiada e seca de João Gilberto.
Convidados de Milton, os músicos pareciam pouco à vontade à frente do cenário que imita um salão e ao lado de uma banda barulhenta, chamada de orquestra, que atua à moda antiga.
Quando o baile chega ao fim e Milton volta para o bis, como que se redime. "Quem estava cantando aqui era o Bituca. Pedi a ele para deixar o Milton cantar uma ou duas músicas e ele deixou." Vem "Paula e Bebeto" e, a seguir, "Nos Bailes da Vida", que, apesar de óbvia àquela altura, tem ainda assim força para emocionar e justificar a intenção generosa do crooner. Vale por tudo que seu baile não é.


Avaliação:  


Show: Crooner Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, tel. 5051-4900) Quando: qui., às 21h30; sex. e sáb., às 22h; e dom., às 20h Quanto: de R$ 30 a R$ 65

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