|
Próximo Texto | Índice
Crítica/"AQUIDENTRO" e "AQUIFORA"
Peças acertam ao apostar no risco
Montagens complementares que acontecem na rua e dentro de teatro ressaltam papel do público como colaborador ativo
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O espectador é imprescindível ao teatro. Os
espetáculos "AQUIDENTRO" e "AQUIFORA", do
grupo OPOVOEMPÉ, pretendem ampliar essa condição do
público de participante necessário à de colaborador ativo.
Cada uma das duas encenações tem seus procedimentos
próprios, mas ambas aspiram
mobilizar a percepção dos espectadores sobre as dores de si
e do mundo, sem para isso servirem-se de uma narrativa fechada para afetá-los e pressupondo que, idealmente, eles se
tornem coautores das obras.
"AQUIFORA" transcorre nas
ruas do centro de São Paulo. No
início, as cinco atrizes distribuem capas amarelas e aparelhos de som a cada um dos espectadores. Com isso, eles passam a ser legítimos atuadores,
pois andam em bloco, uniformizados, ouvindo a mesma trilha sonora e concentrando-se
nos mesmos pontos, a mirarem
juntos os cenários circundantes da cidade degradada.
O que eles ouvem são depoimentos de pessoas comuns,
trechos de ficção literária e um
discurso mais jornalístico, cuja
descrição coincide com os lugares por onde se vai passando. As
atrizes alternam momentos em
que simplesmente guiam os espectadores -indicando quando devem parar, andar ou atentarem a algo- com outros em
que propriamente atuam, ampliando a cena que se oferece
aos passantes surpreendidos.
"AQUIDENTRO" ocorre em
um teatro. De algum modo, tudo que foi ouvido e visto fragmentariamente na rua reaparece mais organizado enquanto
tema. Agora os aventais de enfermeiras e as caixas de remédio apontam para o mal-estar
da civilização. Ainda há a recusa a uma narrativa convencional e toda a ação que vai sendo
tecida ocorre a partir da fricção
entre as atrizes e os espectadores, vinculados por um diálogo
inacabado de perguntas e interjeições lacônicas que não chegam a ser respondidas.
É bela a maneira sutil como
essa dramaturgia se articula, à
base de sorrisos e esgares, na
relação olho no olho entre
atuantes e assistentes, aqui
confundidos como geradores
da ação em curso.
Por outro lado, logo se explicita um discurso afirmativo,
que no espetáculo da rua era
menos notável, e que vai distanciar os assistentes da parceria que vinha sendo costurada.
Afinal, há uma assimetria entre
as atrizes propositoras, que formulam o roteiro e direcionam
sua leitura, e os receptores que,
chamados a uma tomada de
consciência, regridem à condição de público alvo.
A intenção de mobilizar
consciências é habitual no teatro. O que é novo e interessante
no trabalho do OPOVOEMPÉ é
a forma dramática aberta com
que faz isso, sustentada no desempenho de risco das atrizes e
na imprevisibilidade do público. Já a postura missionária,
implícita nessa experiência do
grupo, é datada e ameaça os
seus propósitos libertários. Entre esses dois caminhos possíveis, fica a boa expectativa de
novas explorações.
AQUIFORA
Quando: ter. e qua., às16h; até 30/9
Onde: Saída da Galeria Olido (av.
São João, 473; tel. 8245-9415)
AQUIDENTRO
Quando: qui. e sex., às 21h30
Onde: Tusp (r. Maria Antônia, 294;
tel. 3255-1782; até 25/9
Quanto: de R$ 10 a R$ 20 (ambas)
Classificação: 14 anos (ambas)
Avaliação: bom (ambas)
Próximo Texto: Crítica / "Tanztheater Wuppertal": Grupo de Pina Bausch apresenta obras-primas Índice
|