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CINEMA - MOSTRA DE SÃO PAULO
Humor de "Trem" vence o Holocausto
LEONARDO CRUZ
da Redação
Desde o início de sua história, o
povo judeu sempre encontrou no
humor uma forma de superar suas
tragédias, de sobreviver sem atingir a loucura. Esse princípio, defendido pelo cineasta romeno Radu Mihaileanu, serve para justificar o tema do seu "Trem da Vida",
comédia sobre o Holocausto que a
Mostra Internacional de Cinema
exibe hoje na cidade.
Fábula conduzida sob a perspectiva de um louco, o filme narra o
cotidiano de uma aldeia judaica
(shtetl) localizada no interior da
Europa Oriental, durante a Segunda Guerra. Temendo a chegada
dos nazistas e a consequente deportação para os campos de extermínio, os moradores do vilarejo
bolam um estratagema suicida para tentar escapar: forjam sua própria captura pelo Exército alemão.
Para tanto, disfarçam alguns judeus de oficiais nazistas, compram
um trem velho e reconstroem-no
nos mesmos moldes das máquinas
do Reich e partem para a insólita
missão de atingir a fronteira com a
Rússia sem serem notados pelas
tropas hitleristas.
"Até hoje, 50 anos depois do fim
da guerra, ninguém nunca tinha tido coragem de fazer um filme
bem-humorado para falar do extermínio dos judeus", afirma o
também judeu Mihaileanu, que
devido ao tema delicado demorou
dois anos para conseguir juntar os
US$ 5 milhões necessários para
realizar seu filme.
"Apresentávamos o roteiro aos
possíveis financiadores, e eles liam
e diziam: "É bom, mas será que os
judeus não vão se sentir ofendidos?"', conta o produtor iugoslavo
Cedomir Kolar, que acompanha o
diretor romeno em São Paulo.
Rodado na Romênia, com financiamento francês, belga e holandês, "Trem da Vida" teve, segundo
Mihaileanu, cada cena de seu roteiro discutida para evitar problemas com a comunidade judaica. E
o diretor garante que até agora não
teve problemas.
"Fizemos uma exibição especial
para judeus sobreviventes do Holocausto. E eles gostaram. Disseram que o filme mostra o sonho
que eles tinham quando estavam
presos nos campos de concentração", conta.
Em sua obra, o cineasta romeno
ainda se volta para o povo cigano,
também perseguido pelos nazistas. "Quando tratam do Holocausto, as pessoas se referem aos judeus e deixam de lado outros perseguidos, como os ciganos. Fazem
isso porque consideram que morreram "só' 300 mil ciganos, em
comparação aos 6 milhões de judeus. Não me interessa quantos foram. Eles também estavam lá."
Ceaucescu
Atualmente com 40 anos e radicado na França, Mihaileanu estreou como diretor de cinema em
93 com "Trahir" (Trair), em que
narra os problemas de um poeta
com o governo de Nicolau Ceaucescu, na Romênia dos anos 80.
O filme tem um caráter visivelmente autobiográfico. No início da
década passada, o então dramaturgo e diretor teatral Mihaileanu viu-se obrigado a abandonar a Romênia por razões políticas.
"Eu não conseguia mais respirar.
Fazíamos um teatro contrário aos
interesses do governo. Éramos
clandestinos. Vi amigos serem
presos e mortos pelo regime."
Foi só depois de chegar a Paris
que Mihaileanu começou a pensar
em fazer filmes. Em um de seus
primeiros trabalhos na área cinematográfica, atuou ao lado do diretor italiano Marco Ferreri (1928-1997) em "I Love You" (1985).
"Quando começaram as filmagens, eu era o chofer de Marco. Aos
poucos, fui dando algumas sugestões e ele gostou. No final, tinha virado uma espécie de assistente
pessoal dele", diz o cineasta, que
também foi assistente de Fernando
Trueba. Auxiliou-o em "O Sonho
do Macaco Louco", filme de 90 que
traz Jeff Goldblum e Miranda Richardson no elenco.
˛
Colaborou
Marcelo Starobinas, especial para a
Folha.
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