São Paulo, sábado, 24 de outubro de 1998

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CINEMA - MOSTRA DE SÃO PAULO
Humor de "Trem" vence o Holocausto

LEONARDO CRUZ
da Redação

Desde o início de sua história, o povo judeu sempre encontrou no humor uma forma de superar suas tragédias, de sobreviver sem atingir a loucura. Esse princípio, defendido pelo cineasta romeno Radu Mihaileanu, serve para justificar o tema do seu "Trem da Vida", comédia sobre o Holocausto que a Mostra Internacional de Cinema exibe hoje na cidade.
Fábula conduzida sob a perspectiva de um louco, o filme narra o cotidiano de uma aldeia judaica (shtetl) localizada no interior da Europa Oriental, durante a Segunda Guerra. Temendo a chegada dos nazistas e a consequente deportação para os campos de extermínio, os moradores do vilarejo bolam um estratagema suicida para tentar escapar: forjam sua própria captura pelo Exército alemão.
Para tanto, disfarçam alguns judeus de oficiais nazistas, compram um trem velho e reconstroem-no nos mesmos moldes das máquinas do Reich e partem para a insólita missão de atingir a fronteira com a Rússia sem serem notados pelas tropas hitleristas.
"Até hoje, 50 anos depois do fim da guerra, ninguém nunca tinha tido coragem de fazer um filme bem-humorado para falar do extermínio dos judeus", afirma o também judeu Mihaileanu, que devido ao tema delicado demorou dois anos para conseguir juntar os US$ 5 milhões necessários para realizar seu filme.
"Apresentávamos o roteiro aos possíveis financiadores, e eles liam e diziam: "É bom, mas será que os judeus não vão se sentir ofendidos?"', conta o produtor iugoslavo Cedomir Kolar, que acompanha o diretor romeno em São Paulo.
Rodado na Romênia, com financiamento francês, belga e holandês, "Trem da Vida" teve, segundo Mihaileanu, cada cena de seu roteiro discutida para evitar problemas com a comunidade judaica. E o diretor garante que até agora não teve problemas.
"Fizemos uma exibição especial para judeus sobreviventes do Holocausto. E eles gostaram. Disseram que o filme mostra o sonho que eles tinham quando estavam presos nos campos de concentração", conta.
Em sua obra, o cineasta romeno ainda se volta para o povo cigano, também perseguido pelos nazistas. "Quando tratam do Holocausto, as pessoas se referem aos judeus e deixam de lado outros perseguidos, como os ciganos. Fazem isso porque consideram que morreram "só' 300 mil ciganos, em comparação aos 6 milhões de judeus. Não me interessa quantos foram. Eles também estavam lá."
Ceaucescu
Atualmente com 40 anos e radicado na França, Mihaileanu estreou como diretor de cinema em 93 com "Trahir" (Trair), em que narra os problemas de um poeta com o governo de Nicolau Ceaucescu, na Romênia dos anos 80.
O filme tem um caráter visivelmente autobiográfico. No início da década passada, o então dramaturgo e diretor teatral Mihaileanu viu-se obrigado a abandonar a Romênia por razões políticas.
"Eu não conseguia mais respirar. Fazíamos um teatro contrário aos interesses do governo. Éramos clandestinos. Vi amigos serem presos e mortos pelo regime."
Foi só depois de chegar a Paris que Mihaileanu começou a pensar em fazer filmes. Em um de seus primeiros trabalhos na área cinematográfica, atuou ao lado do diretor italiano Marco Ferreri (1928-1997) em "I Love You" (1985).
"Quando começaram as filmagens, eu era o chofer de Marco. Aos poucos, fui dando algumas sugestões e ele gostou. No final, tinha virado uma espécie de assistente pessoal dele", diz o cineasta, que também foi assistente de Fernando Trueba. Auxiliou-o em "O Sonho do Macaco Louco", filme de 90 que traz Jeff Goldblum e Miranda Richardson no elenco.
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Colaborou Marcelo Starobinas, especial para a Folha.



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