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CINEMA
Ciclo organizado pela Sala Cinemateca, em SP, que vai de hoje a 9 de março, enfoca a cinematografia do país
"Irã das crianças" reeducou o olhar ocidental
Divulgação
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Cena da produção iraniana "Gosto de Cereja", do diretor Abbas Kiarostami, que está presente dentro do ciclo da Sala Cinemateca |
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Tudo começou no departamento de produção de filmes
pedagógicos do Instituto de Desenvolvimento Intelectual das
Crianças e Adolescentes. Trabalhar com crianças não era algo
apenas edificante para os cineastas do Irã pós-revolução islâmica,
era também a melhor maneira de
driblar a censura.
Com o tempo, o novo cinema
iraniano, tema da retrospectiva
que se inicia na Cinemateca, fez
da criança uma espécie de protagonista ideal. Elas eram, em sua
hiperperceptibilidade natural, as
legítimas portadoras da nova percepção de mundo que nascia. Era
toda uma nova pedagogia da percepção que surgia e na qual nós,
ocidentais, pudemos reeducar
nosso olhar cansado de guerra.
Os filmes iranianos funcionaram como uma espécie de "clin
d'oeil", limpando nosso olhar de
suas acumuladas impurezas formais e (mesmo) humanas. Não
foi apenas a espantosa simplicidade temática e formal daqueles filmes que nos desconcertou. Neles
havia uma pureza que tínhamos
perdido, uma verdadeira inocência que nos era restituída.
O humanismo que se saudou no
cinema iraniano não era senão
seu "espírito da infância", a capacidade de ver e fazer ver os aspectos mais belos e afetuosos da alma
humana, aspectos que o cinema
ocidental parece ter perdido.
Esse humanismo-velho-estilo e
uma estética que reposicionava a
ficção cinematográfica na fronteira com o documentarismo também levaram a crítica ocidental a
celebrar, nos filmes iranianos, a
tábua de salvação de um certo
ideal de cinema, muito baziniano
e um tanto obliterado: o ideal de
um realismo integral, de máxima
continuidade espacial e temporal.
Os iranianos retomaram a tradição realista do cinema moderno
do pós-Segunda Guerra. E a retomaram por inteiro quando, ao cinema perceptivo da primeira fase,
tributário, a começar dos curtas
de Kiarostami, do neo-realismo
dos anos 40/50, acresceram, a partir do clássico "Close-Up", táticas
antiilusionistas caras aos cinemas
novos dos anos 60/70.
Tudo porque o cinema invadira
a realidade do povo iraniano e dela já não podia ser dissociada. Os
cineastas haviam dado um passo
em direção ao povo e o povo começa a dar o seu passo em direção
ao cinema: a multidão invadindo
o estúdio de Mohsen Makhmalbaf na abertura de "Salve o Cinema" era prova de que essa pedagogia da percepção começava a
dar frutos.
Como dissociar o cinema do
processo de democratização do
país? Natural que as mulheres se
consolidassem como as novas
protagonistas ideais. Heroínas da
democratização ("O Voto É Secreto") num momento em que se
passa da percepção à ação, as mulheres atuam por uma melhor
condição. Meninas impedidas de
perceber o mundo em "A Maçã",
mulheres impedidas de reagir em
"O Círculo": numa cultura (islâmica e fundamentalista) que ainda mantém, com a imagem, uma relação de constrangimento; a representação cinematográfica parece ser, para as mulheres, tão importante quanto a política.
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