São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2006

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Crítica/música

Festival Música Nova acaba com arte da vanguarda hippie

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Os instrumentos à vista no palco incluíam castanholas, cartolinas, um ventilador, bastões de madeira, dois violinos, pedras, um balde d'água, balões, bichinhos de borracha e uma rede de cabos de força, saindo de uma valise. Tudo isso para tocar "Acoustica", de Mauricio Kagel (1931), na segunda parte do concerto do conjunto inglês Apartment House, terça-feira no Sesc Consolação.
A primeira parte não fora muito diferente. "Stones", de Christian Wolff (1934) é inteiramente escrita para pedras. Os quatro músicos, sentados no chão, ficam inventando modos de tirar sons de cascalhos e seixos. Improvisam contrapontos e criam pequenas texturas, quase sempre delicadas e quase sempre bem a sério.
A miniópera "IRMA", de Tom Philips (1937), faz uso de dois teclados, um LP de peças barrocas para cravo (num toca-discos em cena) e uma fita magnética com trechos interrompidos de uma voz feminina narrando cenas genericamente sugestivas e recitando termos auto-referenciais sobre a música que está sendo tocada e encenada. Dois intérpretes ficam sentados de costas para o público, em frente a espelhos. Manipulam violinos e um pequeno címbalo.
Os outros dois músicos estão ao fundo, executando suas longas minimalistas notas nos magros teclados. A coisa se arrasta: é uma instalação visual-musical.
Quando o disco acaba -uns 20 minutos-, a peça também acaba, sem drama. Era o concerto de encerramento do Festival Música Nova, há 41 anos sob a direção do compositor Gilberto Mendes, agora auxiliado por Lorenzo Mammì (USP/Maria Antonia) e Luiz Gustavo Petri (Sinfônica de Santos). Neste ano o Festival cresceu, incluindo concertos no Auditório Ibirapuera para platéias de até 500 pessoas e trazendo diversos conjuntos e solistas estrangeiros, que se juntaram à turma daqui para dez dias de música contemporânea na capital e na baixada.
Nesse contexto, o concerto do Apartment House ganhava uma conotação incomum. Porque as três obras viraram agora peças do museu imaginário da música moderna. Sem o poder de provocação de há 40 anos, em plena efervescência da contracultura hippie, soam como anedotas antigas, que se escuta mais por nostalgia, ou curiosidade, do que por urgência vital.
Não deixa de ser uma pena: o que se sonhava, então, não era nada menos do que uma outra vida. O sonho acabou e, como dizia um poeta daquela hora, quem não dormiu no "sleeping-bag" nem sequer sonhou.


APARTMENT HOUSE   

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