|
Texto Anterior | Índice
Crítica/música
Festival Música Nova acaba com arte da vanguarda hippie
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Os instrumentos à vista
no palco incluíam castanholas, cartolinas,
um ventilador, bastões de madeira, dois violinos, pedras, um
balde d'água, balões, bichinhos
de borracha e uma rede de cabos de força, saindo de uma valise. Tudo isso para tocar
"Acoustica", de Mauricio Kagel
(1931), na segunda parte do
concerto do conjunto inglês
Apartment House, terça-feira
no Sesc Consolação.
A primeira parte não fora
muito diferente. "Stones", de
Christian Wolff (1934) é inteiramente escrita para pedras. Os
quatro músicos, sentados no
chão, ficam inventando modos
de tirar sons de cascalhos e seixos. Improvisam contrapontos
e criam pequenas texturas,
quase sempre delicadas e quase
sempre bem a sério.
A miniópera "IRMA", de
Tom Philips (1937), faz uso de
dois teclados, um LP de peças
barrocas para cravo (num toca-discos em cena) e uma fita magnética com trechos interrompidos de uma voz feminina narrando cenas genericamente sugestivas e recitando termos auto-referenciais sobre a música
que está sendo tocada e encenada.
Dois intérpretes ficam sentados de costas para o público, em
frente a espelhos. Manipulam
violinos e um pequeno címbalo.
Os outros dois músicos estão ao
fundo, executando suas longas
minimalistas notas nos magros
teclados. A coisa se arrasta: é
uma instalação visual-musical.
Quando o disco acaba -uns 20
minutos-, a peça também acaba, sem drama.
Era o concerto de encerramento do Festival Música Nova, há 41 anos sob a direção do
compositor Gilberto Mendes,
agora auxiliado por Lorenzo
Mammì (USP/Maria Antonia)
e Luiz Gustavo Petri (Sinfônica
de Santos). Neste ano o Festival
cresceu, incluindo concertos
no Auditório Ibirapuera para
platéias de até 500 pessoas e
trazendo diversos conjuntos e
solistas estrangeiros, que se
juntaram à turma daqui para
dez dias de música contemporânea na capital e na baixada.
Nesse contexto, o concerto
do Apartment House ganhava
uma conotação incomum. Porque as três obras viraram agora
peças do museu imaginário da
música moderna. Sem o poder
de provocação de há 40 anos,
em plena efervescência da contracultura hippie, soam como
anedotas antigas, que se escuta
mais por nostalgia, ou curiosidade, do que por urgência vital.
Não deixa de ser uma pena: o
que se sonhava, então, não era
nada menos do que uma outra
vida. O sonho acabou e, como
dizia um poeta daquela hora,
quem não dormiu no "sleeping-bag" nem sequer sonhou.
APARTMENT HOUSE
Texto Anterior: Cabaré musical celebra Brecht Índice
|