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CINEMA/ESTRÉIAS
"O GRANDE DITADOR"
Clássico de 1940 que satiriza Adolf Hitler volta aos cinemas brasileiros com cópias restauradas
Charles Chaplin esvazia a pompa dos poderosos
Divulgação
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Cena de "O Grande Ditador", que volta aos cinemas brasileiros 62 anos após sua estréia, com direção do ator e produtor norte-americano Charles Chaplin (1889-1977) |
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
De onde vem a euforia de "O
Grande Ditador"? Trata-se
de um filme da Segunda Guerra, e
ali existem países sendo invadidos, judeus perseguidos -enfim,
tudo que de pior o nazismo poderia proporcionar no quadro de
uma comédia.
Mas, acima de tudo isso, 62 anos
depois de realizado, o filme ainda
deixa transparecer a alegria de seu
autor, Charles Chaplin, ao descobrir a possibilidade de criar um
sósia perfeito de Adolf Hitler, na
pessoa de Adenoid Hynkel.
Diz a lenda que Hitler sentiu o
filme como um soco no estômago. Não seria de espantar. Lá está
Hitler, seu bigode, sua gestualidade, seu tom de voz ao discursar.
O que no original provocava devoção ou pânico -conforme o
ouvinte- não chega a se tornar
ridículo, mas algo talvez pior: insignificante. O vazio é o risco de
toda pompa. E o que Chaplin faz é
isso mesmo, esvaziar Hitler e o
nazismo -e, mais genericamente, todo poder absoluto.
O trailer atual enfatiza a atualidade do filme, afirmando que toda semelhança com situações
atuais é mera coincidência. Com
efeito, ainda que os grandes ditadores estejam em baixa, pode-se
ver o filme como uma parábola
sobre a busca de subjugar o mundo a seus desígnios.
Não faz tanta diferença que o ditador se chame Adolf Hitler, Adenoid Hynkel ou simplesmente
"mercados". Não faz tanta diferença se, em Israel, os judeus, que
eram perseguidos então, hoje não
dão trégua aos palestinos.
Mas, acima dessas circunstâncias, o que conta é Chaplin. Chaplin, que nasceu em 1889 e morreu em um Natal, como hoje, 25
anos atrás, é um gênio, portanto
alguém de quem devemos suportar mesmo os defeitos, como um
egocentrismo não muito menor
que o de Hitler. Os filmes de Chaplin são Chaplin, giram em torno
dele, de sua figura, de suas gags.
Se tirarmos Chaplin dali não sobra quase nenhum encanto.
Mas não há, justamente, como
tirar Chaplin dali. E que importa
se existe nele uma tendência ao
sentimental se ele cria uma sequência como aquela em que
Hynkel brinca com um globo terrestre, bola levíssima que ele atira
para cá e para lá, como a criança
fruindo de seu brinquedo?
Em outro momento ele se põe a
dançar (com uma gordota, mulher de Napaloni -leia-se Benito
Mussolini-, ditador de bactéria)
e toda a habilidade de sua mímica
se converte em pura elegância.
No filme, Chaplin faz ainda outro papel, o do barbeiro judeu sósia de Hynkel. Essa é a pior ofensa
que poderia ter feito a Hitler:
aproximá-lo de um judeu, de um
judeu qualquer, que nem ao menos tem memória.
Convém não esquecer que os
nazistas viam o cinema -explicitamente- como uma arma de
guerra. Isso torna mais compreensível ainda a possível ira de
Hitler diante do filme: do ponto
de vista da propaganda, tudo isso
era um baque considerável.
Quando o filme foi lançado, e
mesmo depois, o discurso final
-cujas circunstâncias convém
não revelar, para não estragar a
surpresa de quem ainda não o conhece- se tornou uma espécie
de coqueluche: discurso humanista, à maneira de Chaplin, conclamando os homens ao amor
por seus semelhantes.
É o aspecto que mais satisfazia
às necessidades da propaganda de
guerra. Talvez por isso mesmo
-e sejam quais forem as analogias que se possam encontrar entre 1940 e 2002- ele parece o que
o filme tem de mais convencional
e ultrapassado.
O Grande Ditador
The Great Dictator
Direção: Charles Chaplin
Produção: EUA, 1940
Com: Charles Chaplin, Jack Oakie
Quando: a partir de hoje nos cinemas
Frei Caneca Unibanco Arteplex, Espaço
Unibanco e Sala UOL de Cinema
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