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Crítica/erudito
"A Tempestade" faz pouco barulho por tudo
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Não dava pra dizer se era
de propósito ou não:
bem no ponto em que
Próspero discute com o espírito Ariel, no primeiro ato de "A
Tempestade", a luz apagou.
Mas foi um corte de energia
mesmo que deixou o Teatro
São Pedro só com luz de emergência por quase dez minutos,
com os cantores congelados no
palco.
Para uma encenação que explora a ambigüidade entre teatro e vida, esse foi um grande momento, recebido com bom
humor pela platéia que estava
lá, domingo à tarde, para assistir à ópera de Ronaldo Miranda
(1948), composta por encomenda da Banda Sinfônica.
"A tempestade foi mais forte
do que a gente pensava", disse o
maestro Abel Rocha antes de
reiniciar a música, com um
elenco de primeira linha, incluindo as vozes de Homero
Velho (Próspero), Rosana Lamosa (Miranda), Fernando
Portari (Ferdinand), Regina
Elena Mesquita (Ariel) e Sebastião Teixeira (Caliban).
A partitura foi escrita entre
janeiro e julho. Mas o compositor só conseguiu orquestrar a
primeira metade; por motivo
de saúde, o segundo ato teve de
ser entregue a três orquestradores auxiliares. O resultado é
uniforme, até porque a orquestração se limita às forças da
Banda Sinfônica -sopros e metais (mais contrabaixos e percussão)-, e a música é de natureza tradicional.
O próprio Miranda descreve
sua linguagem como "neotonal". Quer dizer: as seqüências
harmônicas podem não seguir
as rotas da harmonia funcional
clássica, mas tudo nessa música
é tonal e é assim que ela será
ouvida. Mesmo o episódio "atonal" da tempestade só tem sucesso pela diferença: é um efeito, mais do que uma troca da razão da música.
Letra e música
A platéia vibra mesmo com
as árias, que às vezes lembram
modinhas e às vezes ficam perto de canções de musical. Com
a diferença, infelizmente, da letra. Elaborado pelo compositor, a partir da peça de Shakespeare (de 1611), o libreto jamais
se eleva acima do prosaico, e
com freqüência cai no "versinho" ("a cantar, com as ondas a
brincar"), no clichê ("deixe a vida despertar") e/ou no estrambótico ("Meu Deus, como eu
queria morrer de morte seca").
Nesses termos, fica difícil escutar a partitura, composta
com evidente domínio do "métier" por esse autor de duas
óperas (a primeira foi "Dom
Casmurro", de 1992). E até porque a montagem, dirigida por
William Pereira, reduz quase
tudo a um quarto vazio, que pode ser ilha ou sala de ensaio, jogando o peso na música. Figurinos e adereços são minimalistas; e a dramaturgia segue um
padrão convencional.
À frente da Banda Sinfônica
desde 2004, Abel Rocha vem
fazendo um trabalho notável de
revitalização. Fez espetáculos
com Os Parlapatões, adaptou o
"Orfeo" barroco de Monteverdi, regularmente encomenda
composições para autores brasileiros.
Tudo isso é para ser aplaudido. Cada obra tem seus riscos; e
na música, como na vida, nunca
é demais se arriscar.
A TEMPESTADE
Quando: hoje, às 21h
Onde: Theatro São Pedro (r. Barra Funda, 171, tel. 3667-0499)
Quanto: R$ 40 (meia-entrada, R$ 20)
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