São Paulo, terça-feira, 26 de setembro de 2006

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Crítica/erudito

"A Tempestade" faz pouco barulho por tudo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Não dava pra dizer se era de propósito ou não: bem no ponto em que Próspero discute com o espírito Ariel, no primeiro ato de "A Tempestade", a luz apagou.
Mas foi um corte de energia mesmo que deixou o Teatro São Pedro só com luz de emergência por quase dez minutos, com os cantores congelados no palco.
Para uma encenação que explora a ambigüidade entre teatro e vida, esse foi um grande momento, recebido com bom humor pela platéia que estava lá, domingo à tarde, para assistir à ópera de Ronaldo Miranda (1948), composta por encomenda da Banda Sinfônica.
"A tempestade foi mais forte do que a gente pensava", disse o maestro Abel Rocha antes de reiniciar a música, com um elenco de primeira linha, incluindo as vozes de Homero Velho (Próspero), Rosana Lamosa (Miranda), Fernando Portari (Ferdinand), Regina Elena Mesquita (Ariel) e Sebastião Teixeira (Caliban).
A partitura foi escrita entre janeiro e julho. Mas o compositor só conseguiu orquestrar a primeira metade; por motivo de saúde, o segundo ato teve de ser entregue a três orquestradores auxiliares. O resultado é uniforme, até porque a orquestração se limita às forças da Banda Sinfônica -sopros e metais (mais contrabaixos e percussão)-, e a música é de natureza tradicional.
O próprio Miranda descreve sua linguagem como "neotonal". Quer dizer: as seqüências harmônicas podem não seguir as rotas da harmonia funcional clássica, mas tudo nessa música é tonal e é assim que ela será ouvida. Mesmo o episódio "atonal" da tempestade só tem sucesso pela diferença: é um efeito, mais do que uma troca da razão da música.

Letra e música
A platéia vibra mesmo com as árias, que às vezes lembram modinhas e às vezes ficam perto de canções de musical. Com a diferença, infelizmente, da letra. Elaborado pelo compositor, a partir da peça de Shakespeare (de 1611), o libreto jamais se eleva acima do prosaico, e com freqüência cai no "versinho" ("a cantar, com as ondas a brincar"), no clichê ("deixe a vida despertar") e/ou no estrambótico ("Meu Deus, como eu queria morrer de morte seca").
Nesses termos, fica difícil escutar a partitura, composta com evidente domínio do "métier" por esse autor de duas óperas (a primeira foi "Dom Casmurro", de 1992). E até porque a montagem, dirigida por William Pereira, reduz quase tudo a um quarto vazio, que pode ser ilha ou sala de ensaio, jogando o peso na música. Figurinos e adereços são minimalistas; e a dramaturgia segue um padrão convencional.
À frente da Banda Sinfônica desde 2004, Abel Rocha vem fazendo um trabalho notável de revitalização. Fez espetáculos com Os Parlapatões, adaptou o "Orfeo" barroco de Monteverdi, regularmente encomenda composições para autores brasileiros. Tudo isso é para ser aplaudido. Cada obra tem seus riscos; e na música, como na vida, nunca é demais se arriscar.


A TEMPESTADE   
Quando:
hoje, às 21h
Onde: Theatro São Pedro (r. Barra Funda, 171, tel. 3667-0499)
Quanto: R$ 40 (meia-entrada, R$ 20)


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