São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 2000

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CINEMA


É Natal, é Natal, tudo bem, mas fuja dessa



SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Manual de Hollywood, verbete "Natal, fazer dinheiro fácil no":
1. escreva um roteiro que pinte a vida familiar no subúrbio como o paraíso na Terra, mesmo para um jovem milionário, solteiro, bonito e em ascensão;
2. coloque um pouco de mágica, um efeito algo sobrenatural;
3. escolha para o papel um ator que agrade a audiência mais exigente (que o viu em "Arizona Nunca Mais") e a massa ignara (que o viu em "Con Air, a Rota da Fuga");
4. para o papel da mulher, uma atriz que não seja muito bonita, assim as espectadoras não vão sair do cinema achando que aquilo não poderia acontecer com elas (ou você pensa que na vida real Leonardo DiCaprio ficaria mesmo de quatro pela gordota Kate Winslet, de "Titanic"? Basta ver com quem ele tenta namorar há muitos meses...).
Cumpridos os quatro itens, você tem pouco mais do que nada. Ou "Um Homem de Família", em cartaz em São Paulo desde sexta, dirigido por Brett Ratner (ninguém, não se preocupe), com Nicolas Cage e Téa Leoni.
Jack Campbell (Cage), mago do mercado financeiro de Nova York, sempre acompanhado de mulheres lindas e Ferraris, encontra um "anjo"/assaltante numa mercearia que lhe oferece um gostinho do que seria sua vida se ele não tivesse abandonado a namorada da faculdade (Leoni).
Nosso herói acorda no dia seguinte no mundo bizarro que é a suburbia americana, onde tudo que ele trabalhou para escapar é realidade. Está casado com Kate, a tal mocinha que tentou impedir que ele fosse a Londres fazer a pós-graduação. Trabalha na loja do sogro vendendo pneus, tem dois filhos, uma casa em New Jersey, um guarda-roupa infeliz.
Assim que se transforma no perdedor arrependido, sua vida vira uma sucessão dos piores momentos familiares. O filme é quase pornográfico neste sentido. Está tudo lá: cocô mole de bebê, sogros que falam alto e chegam em casa sem avisar, uma minivan que não pega de manhã, a mulher de mau-humor, o shopping center lotado no fim-de-semana.
O resultado é que você não se interessa por ninguém, nem com o vitorioso arrogante de Wall Street nem com o perdedor amargo do subúrbio. Não dá vontade de ser Nicolas Cage, nem Téa Leoni, nem o "anjo". Na verdade, nem você, o palhaço que pagou para ver aquilo.
Os dois atores estão em suas piores interpretações. Téa Leoni tem, basicamente, duas personagens. Uma é a gostosa com pernas de bailarina, que ela exibe, no filme "Procurando Encrenca". A outra é a atrapalhada, em que exibe a dentuça que não consertou, como no seriado "The Naked Truth". Aqui, opta pela segunda opção, infelizmente.
Por fim, uma constatação: Hollywood ainda não sabe o que fazer com o negro. Ou ele brilha em filme de orientação étnica (ou seja, para as platéias do gueto) ou é transformado num ser assexuado e mágico (ou seja, inofensivo).
É assim em "Conduzindo Miss Daisy" (o motorista Morgan Freeman), "À Espera de um Milagre" (o gigante Michael Clarke Duncan). E é assim com Don Cheadle, o "anjo" transformador de "Um Homem de Família".



Um Homem de Família The Family Man
 
Produção: EUA, 2000
Direção: Brett Ratner
Com: Nicolas Cage, Téa Leoni Onde: em cartaz nos cines Astor, Eldorado 4, Jardim Sul 9 e circuito




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