São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 2005

Próximo Texto | Índice

ARTES

Exposição mostra a composição e o tempo da música em 38 obras do artista venezuelano no Instituto Tomie Ohtake

Matéria vibra em abstracionismo de Soto

Ayrton Vignola/Folha Imagem
"Ambivalência Caracas" (1982), em exposição no Tomie Ohtake


GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em uma carta para Hélio Oiticica -publicada no livro "Cartas" (editora UFRJ, 1996)-, Lygia Clark sintetiza a proposta cinética de Jesús-Rafael Soto da seguinte forma: "Eu o vi [Soto] tocando guitarra e percebi que todo o seu problema é tempo (vibração)". Bingo. Lygia usou a música para entender o trabalho de Soto (1923-2005), e a busca pela vibração do plano bidimensional que deu origem às inebriantes obras do artista venezuelano -38 delas em exposição no Instituto Tomie Ohtake a partir de hoje, para convidados.
"A relação com a música é muito simples", diz o curador da mostra, Paulo Venâncio, após uma breve explanação sobre o amplo conhecimento musical de Soto. "A vibração da corda, o tempo da nota, na obra dele se tornam visuais. Você percebe o tempo pela vibração da imagem." Diante de uma obra de Soto, enfim, é possível ver o movimento da matéria estática, por meio de truques de óptica, largamente empregados pelos cinéticos.
O efeito surge da relação entre diferentes planos. Os relevos de Soto, que ele próprio chama de pictóricos, compõem-se da sobreposição de materiais (madeira, fios de náilon ou de metal), tendo como fundo, geralmente, pinturas seriais de linhas paralelas. Por um "defeito" cognitivo, extinguem-se os espaços que existem entre esses vários planos, e passa-se a ver a obra tridimensional como se bidimensional fosse.
Algumas peças, de vibração mais intensa, chegam a provocar certa tontura. Como se a arte abstrata triunfasse, depois de anos de uma pesquisa que envolveu muitos artistas -Mondrian, entre eles-, em relação ao objetivo de explorar a relação pura de formas e cores.
A ligação com o trabalho de Mondrian é muito forte. Em entrevista ao crítico e ensaísta Guy Brett em Paris, em 1965, publicada pelo boletim londrino "Signals" e reproduzida agora no catálogo da exposição, Soto revela que as três últimas obras de Mondrian teriam o "afetado profundamente". O trabalho de Soto conquista no plano tridimensional o que o pintor holandês buscou no bidimensional, que diz respeito justamente à vibração entre as formas, no abstracionismo geométrico.
A exposição mostra esse "insight" de Soto em uma sala com obras dos anos 50 e 60, onde também estão trabalhos de artistas que, como ele, participaram de um movimento de afirmação latino-americana no cenário internacional por meio do construtivismo, como Lygia Clark e Sérgio Camargo; ou de artista que se inspiraram em sua obra, Arthur Luiz Piza entre eles. Também um penetrável, nessa seção, com fios pendendo do teto, lembra a obra de Hélio Oiticica.
Em uma segunda sala, a pesquisa de Soto resulta em obras que exploram ao máximo o uso da interação entre linhas e varetas flutuantes, durante os anos 70 e 80. Na terceira e última sala, Soto retoma sua pesquisa sobre a obra de Mondrian, retornando ao uso das cores primárias e secundárias. Nesse espaço está uma das obras fundamentais do artista, "Esfera Theospácio" (1989), escultura com fios de alumínios, de onde surge a figura de uma esfera.

Soto: A Construção da Imaterialidade
Quando:
hoje, às 20h (para convidados); de ter. a dom., das 11h às 20h; até 3/7
Onde: Instituto Tomie Ohtake (r. Coropés, 88, Pinheiros, tel. 2245-1900)
Quanto: entrada franca


Próximo Texto: Teatro: Peça improvisa com fantasia da caricatura
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.