São Paulo, quarta-feira, 27 de junho de 2007

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J.R. Duran expõe o mundo, a carne e o demônio em SP

Fotógrafo inaugura mostra individual "Cautelas" na galeria Leme, baseada nas três tentações definidas pelo cristianismo

Catalão radicado no Brasil desde 1970, J.R. Duran se tornou uma grife associada ao erotismo, ao glamour e à beleza das top models

J.R. Duran
"Oriente#2 - Cautelas/Carne', imagem de J.R. Duran que integra mostra na galeria Leme


EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

As tentações que excitam os impulsos irracionais da natureza humana, desviando-a do caminho da espiritualidade, para fazer do desejo e do instinto a sua perdição, é o princípio cristão que norteia a mostra "Cautelas", que o fotógrafo J.R. Duran, 55, apresenta a partir de hoje na Galeria Leme, em São Paulo.
J.R. Duran, fotógrafo catalão radicado no Brasil desde 1970, se tornou uma grife associada ao erotismo, ao glamour e à beleza, por vezes pasteurizada, das inúmeras top models, atrizes e candidatas a gostosas do mês nas revistas masculinas que posaram nos últimos 30 anos para suas lentes.
Aos nove anos de idade, durante uma aula de religião no colégio jesuíta em que estudava em Barcelona, sua cidade natal, Duran ouviu o professor dizer, citando o frade carmelita San Juan de La Cruz, que para a alma alcançar mais rapidamente o máximo da espiritualidade era necessário resistir às três principais tentações: o mundo, o demônio e a carne.
Estupefato, imaginando a carne apenas como a refeição diária em seu prato, Duran questionou o professor. A resposta, oblíqua, nada explicou. Anos mais tarde, com o início da puberdade, o menino finalmente entenderia o poder de sedução da carne até se tornar, na vida adulta, um produtor de imagens que incitam os homens aos prazeres carnais.

Matadouro
Ao rever sua produção em perspectiva, Duran percebeu que grande parte dela é estruturada a partir das três tentações sinalizadas por San Juan de La Cruz. "Fiz um papel um tanto quanto mefistofélico [diabólico, infernal] ao ilustrar, de forma pessoal, essas tentações no meu universo fotográfico", diz o artista.
Para além das mulheres nuas, que em "Cautelas" aparecem em cinco fotografias, a carne surge também, de forma irônica e remetendo ao garoto de nove anos, em duas fotos de carne bovina embaladas no supermercado. "Sempre senti repulsa por ver carne exposta dessa forma", diz o fotógrafo.
O mundo mundano da luxúria e da atração pelo supérfluo se materializa em três fotografias que mostram a arquitetura bizarro-futurista do restaurante Encounter, em Los Angeles, e em flagrantes de um concurso de misses e de carros alegóricos de escolas de samba abandonados pós-carnaval. "São momentos em que fotografo fora do ar-condicionado e me sinto menos frustrado como fotojornalista", diz.
O demônio toma sua forma entre armas mortais e muito sangue. Cenas de forte impacto, capturadas num matadouro, tingem de vermelho as imagens colocadas logo acima das três fotografias que centram foco no design e nos gatilhos de uma carabina AR-15, uma pistola Uzi e um fuzil.
A aversão causada por essas fotos não é necessariamente o avesso da atração. A história da arte e o fotojornalismo atestam que imagens do horror exercem um poder de sedução com o público tanto quanto o belo.
Ao justapor o horror e o belo para representar as tentações do homem, Duran revela um olhar mais despojado e inseguro. Um possível caminho que pode dar fim ao estigma um tanto redutor de "fotógrafo de mulheres". Menos cautela, mais riscos: as tentações do olhar são.

CAUTELAS
Quando:
abertura hoje a partir das 19h; de seg . a sex. das 10h às 19h; sáb. das 10h às 17h; até 2/8
Onde: Galeria Leme (r. Agostinho Cantu, 88, tel. 3814-8184)
Quanto: entrada franca


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