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O BOM DO DIA
"São Paulo S.A." (65) passa hoje no CCSP
Person mostra o mal do desenvolvimento
PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha
Não é apenas um grande filme. Na verdade, são dois na
mostra "Glauco - O Homem e o
Cinema", que o Centro Cultural São Paulo exibe hoje.
"São Paulo S.A." e "O Caso
dos Irmãos Naves", ambos de
Luiz Sérgio Person, são os destaques. Há ainda um terceiro
-"A Moreninha", de Glauco
Mirko Laurelli-, mas que não
oferece muita relevância artística (leia os horários dos filmes
no quadro abaixo). O ciclo homenageia o montador, diretor
e produtor Glauco Laurelli.
Como diretor ele não emplacou filmes que se poderiam
chamar de bons, mas como
montador conseguiu algumas
proezas, como esse "São Paulo
S.A." (1965).
Nesse filme, o elenco está impecável, a fotografia primorosa
e a história tem originalidade e
contundência só conseguidas
no cinema novo de Glauber
Rocha e de Ruy Guerra.
E a montagem? Esta é que faz
jus às virtudes de Glauco Laurelli. Basta falar que é ela que
amarra o caos espiritual de um
homem que descobriu, a horas
tantas, o vazio de sua existência
e tenta desesperadamente um
reencontro com o calor da humanidade.
O homem é Carlos, interpretado por Walmor Chagas.
Egoísta, ambicioso, frio e bruto, ele é o símbolo do desenvolvimentismo traumático de um
país que mal saíra do estágio
agrícola. Como inspetor de
qualidade de uma montadora
paulista, ele vê o dinheiro encher seus bolsos, mas vai notando o mal que fez a sua perda
de sensibilidade a todos aqueles que o cercam, da mulher ao
amigo.
A venda que ele faz de sua alma ao diabo (a ideologia do ganho material) destrói suas referências. A cidade de São Paulo,
lógico, contribui para isso.
E o que fazer? Render-se à rotina, às lembranças de suas paixões, suas amantes vadias e a
não-realização, pois a fuga dessa roda-viva é impossível.
Já "O Caso dos Irmãos Naves", nem todos acham tão
bom quanto "São Paulo S.A.".
Impossível a comparação. Há a
bela direção de Person e a montagem de Glauco, que mescla a
linearidade temporal com cortes efusivos da narrativa.
Se "São Paulo S.A." propaga a
modernidade da narrativa, "O
Caso dos Irmãos Naves" (1967)
-história sobre dois irmãos
acusados injustamente de um
assassinato- faz uma homenagem ao cinema nacional dos
anos 50, o da chanchada. O estilo de interpretação dos atores
não é empostadamente mal arquitetado, mas pinça um cinema que não irritava os poderosos.
Daí mostrar Anselmo Duarte
(galã das chanchadas) não como tal, mas como o vilão, o truculento tenente que põe os irmãos sob todos os tipos de tortura -são esses os momentos
em que a câmera fica "nervosa"
e os cortes tentam esconder e
enfatizar a violência.
Por isso, o diretor utilizou essa linguagem tão atrelada ao
poder para destruir o próprio.
É como uma serpente picar sua
própria cauda. E só Person para "ludibriar" a chanchada nessa seara crítica na qual se deu
seu cinema.
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