São Paulo, Domingo, 27 de Junho de 1999
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O BOM DO DIA
"São Paulo S.A." (65) passa hoje no CCSP
Person mostra o mal do desenvolvimento

PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha

Não é apenas um grande filme. Na verdade, são dois na mostra "Glauco - O Homem e o Cinema", que o Centro Cultural São Paulo exibe hoje.
"São Paulo S.A." e "O Caso dos Irmãos Naves", ambos de Luiz Sérgio Person, são os destaques. Há ainda um terceiro -"A Moreninha", de Glauco Mirko Laurelli-, mas que não oferece muita relevância artística (leia os horários dos filmes no quadro abaixo). O ciclo homenageia o montador, diretor e produtor Glauco Laurelli.
Como diretor ele não emplacou filmes que se poderiam chamar de bons, mas como montador conseguiu algumas proezas, como esse "São Paulo S.A." (1965).
Nesse filme, o elenco está impecável, a fotografia primorosa e a história tem originalidade e contundência só conseguidas no cinema novo de Glauber Rocha e de Ruy Guerra.
E a montagem? Esta é que faz jus às virtudes de Glauco Laurelli. Basta falar que é ela que amarra o caos espiritual de um homem que descobriu, a horas tantas, o vazio de sua existência e tenta desesperadamente um reencontro com o calor da humanidade.
O homem é Carlos, interpretado por Walmor Chagas. Egoísta, ambicioso, frio e bruto, ele é o símbolo do desenvolvimentismo traumático de um país que mal saíra do estágio agrícola. Como inspetor de qualidade de uma montadora paulista, ele vê o dinheiro encher seus bolsos, mas vai notando o mal que fez a sua perda de sensibilidade a todos aqueles que o cercam, da mulher ao amigo.
A venda que ele faz de sua alma ao diabo (a ideologia do ganho material) destrói suas referências. A cidade de São Paulo, lógico, contribui para isso.
E o que fazer? Render-se à rotina, às lembranças de suas paixões, suas amantes vadias e a não-realização, pois a fuga dessa roda-viva é impossível.
Já "O Caso dos Irmãos Naves", nem todos acham tão bom quanto "São Paulo S.A.". Impossível a comparação. Há a bela direção de Person e a montagem de Glauco, que mescla a linearidade temporal com cortes efusivos da narrativa.
Se "São Paulo S.A." propaga a modernidade da narrativa, "O Caso dos Irmãos Naves" (1967) -história sobre dois irmãos acusados injustamente de um assassinato- faz uma homenagem ao cinema nacional dos anos 50, o da chanchada. O estilo de interpretação dos atores não é empostadamente mal arquitetado, mas pinça um cinema que não irritava os poderosos.
Daí mostrar Anselmo Duarte (galã das chanchadas) não como tal, mas como o vilão, o truculento tenente que põe os irmãos sob todos os tipos de tortura -são esses os momentos em que a câmera fica "nervosa" e os cortes tentam esconder e enfatizar a violência.
Por isso, o diretor utilizou essa linguagem tão atrelada ao poder para destruir o próprio. É como uma serpente picar sua própria cauda. E só Person para "ludibriar" a chanchada nessa seara crítica na qual se deu seu cinema.


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