São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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FOTOGRAFIA

Com recursos semelhantes, André Gardenberg e Juan Esteves tentam desvendar semblantes de celebridades

Mostras em São Paulo revelam rugas internas e externas

EDER CHIODETTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O que revelam e o que ocultam as feições do rosto? Esta indagação, tema central da fotografia desde seus primórdios, retorna agora em duas exposições em São Paulo que têm o retrato como enfoque: "Visages", de Juan Esteves, e "Arquitetura do Tempo", de André Gardenberg.
Fotografar alguém que se dispõe a posar para a câmera é tarefa aparentemente fácil. De que forma retratar essa pessoa para alcançar uma determinada expressividade que denote sua singularidade e ao mesmo tempo as características subliminares que a tornam universal é a equação que atormenta os fotógrafos nesses 165 anos da fotografia.
Para obter êxito em retratos não há regras. Muitos tentaram imitar a luz e a técnica de mestres do retrato como Nadar (1820-1910) e Richard Avedon (1923-2004) e permaneceram à sombra destes. O segredo, portanto, não se esconde na técnica, mas na capacidade do fotógrafo fazer do momento fotográfico um estado de fruição entre ele e o retratado. Não basta descontrair o retratado e esperar que num dado instante ele vá se entregar íntegro e indefeso à câmera. É preciso que o fotógrafo também esteja na mesma sintonia. É como se a câmera estivesse apontada para ambos. Fotografar alguém, em última instância, é fotografar-se. Todo retrato implica um auto-retrato.
Quando se trata de fotografar celebridades, essa interação parece ser ainda mais difícil. Treinados para a pose, com sorrisos e maneirismos pré-estudados, os famosos geralmente oferecem às câmeras apenas o invólucro de um personagem, uma máscara.
Tanto Juan Esteves como André Gardenberg fotografam pessoas famosas, a maioria do meio artístico. Ambos optam por composições semelhantes, com um corte abrupto centrado no rosto do personagem, iluminação de estúdio e filme preto-e-branco. Tudo muito semelhante, mas com resultados absolutamente diversos.
Esteves busca a definição máxima na fotografia e explora com perspicácia a dramaticidade do contraste entre o preto e o branco, em imagens de grande rigor técnico e formal. Seus retratos são leituras incisivas da personalidade dos seus eleitos. Sobressaem seus estados de ânimo, aflora uma humanidade que não se vê normalmente nas fotos de celebridades. Em cada fotografia há um claro, ainda que tênue, comentário do fotógrafo.
Gardenberg, em plena era do botox e de belezas artificialmente construídas, pretende fazer um elogio às rugas, entendidas como sinais de "sabedoria, vivência e até sensualidade". A boa intenção, porém, esbarra em problemas técnicos que resultam em falta de definição, fundamental para seu projeto, e na opção nada feliz em trabalhar com luz contínua, que resulta numa certa pasteurização. A falta de direção dos personagens, na espera de que o improviso pudesse suprir tais lacunas, deixa claro que o fotógrafo não conseguiu avançar além da superfície dos personagens. Mesmo para fotografar rugas é preciso investir na alma humana. É uma operação subcutânea.


Visages
    Onde: Espaço Nossa Caixa (r. Álvares Penteado, 70, tel. 3244-6838 ) Quando: até 7/1, das 10h às 16h, somente nos dias úteis Quanto: entrada franca Arquitetura do Tempo
  Onde: MIS (av. Europa, 158, tel. 3062-9197) Quando: abertura hoje, às 19h; até 1º/2, de ter. a sex., das 12h30 às 20h30; sáb. e dom., das 11h às 20h Quanto: entrada franca


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