São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2004

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TEATRO/CRÍTICA

Em espaço alternativo, peça dirigida por Maurício Paroni de Castro conta com rodízio de atores

Educação sentimental iconoclasta move "Pornografia Barata"

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Ziza Brisola e Paulo Moreno, atores da peça "Pornografia Barata'


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Simular sexo no palco é uma tarefa ingrata. Para transpor o constrangimento, em geral os atores caem ora em um narcisismo automistificador por estarem transgredindo um suposto pudor burguês, ora em um deboche que resvala para a caricatura estigmatizadora.
Maurício Paroni de Castro, junto a seu grupo Atelier Manufactura Suspeita, propõe o que já no título é uma provocação. "Pornografia Barata" é uma seqüência de histórias "comprometidas, muito íntimas e tragicômicas", na sua própria definição. Paroni fixou a peça num peep show improvisado, no bar Sarajevo Internet Point, espaço alternativo vizinho às boates explícitas da Augusta.
Nenhuma novidade nisso: na virada do século, o grupo Caminhando de Teatro de Jairo Maciel já fazia Plínio Marcos e Genet na rua Aurora. Essa fusão entre o brega e o cult no entanto cumpre aqui uma função que vai além do novo e do insolente.
É pelo simulacro, pelo precário, que a montagem de Paroni se desarma de qualquer pretensão e conquista a cumplicidade do público. Seus atores, que ainda há pouco eram seus alunos, expõem sem pudor não tanto suas "intimidades", depoimentos que não raro beiram a histeria do besteirol, mas a inexperiência teatral, num texto rico não em revelações, mas em ritmos, deslocamentos.
O espetáculo funciona então como um exercício aberto, tornado ainda mais desafiador por um rodízio de personagens. A estranha beleza de Roberta Youssef, a empatia de Fernanda Moura, o timing cômico de Diego Ruiz, a sensualidade escamosa de Paulo Moreno... fazem esse caleidoscópio de taras evocar o frescor do "Trate-me Leão", do Asdrúbal Trouxe o Trombone, nos 70.
Desarmado, o público é conduzido sem perceber do sexo ao amor, da hilaridade ao lirismo, na emocionante cena entre a criança e o padre pedófilo, na mascarada cena final, que remete a Qorpo Santo e James Ensor. No final, fica a vontade de voltar para ver como muda o espetáculo, com tal ator em tal personagem. Assim, pelo riso que desmistifica a perversão, pela sofisticação de conceitos que se desenha por trás do precário, "Pornografia Barata" constitui-se numa educação sentimental iconoclasta para um público de descolados e deslocados.


Pornografia Barata
   
Texto: Andrés Lima
Direção: Maurício Paroni de Castro
Com: Diego Ruiz, Fernando Moura, Paulo Moreno, Roberta Youssef e outros
Onde: Sarajevo Internet Point (r. Augusta, 1.385, tel. 9411-3062)
Quando: de dom. a ter., às 21h15
Quanto: R$ 10



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