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CINEMA / ESTRÉIAS
Tonacci flagra homem levado "pela roda da vida"
Em "Serras da Desordem", que estréia hoje, diretor refaz história de índio errante
Cineasta afirma sentir
identificação com a história
do personagem e traça elo
entre o novo filme e o seu
clássico "Bang Bang" (1971)
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A história do índio guajá Carapiru, que escapou do massacre de sua aldeia em 1977 e vagou solitário durante mais de
dez anos por vários Estados
brasileiros, parece não ter nada
a ver com a trajetória do cineasta Andrea Tonacci, nascido em
Roma em 1944 e radicado no
Brasil desde 1953.
Mas, como sugere o próprio
Tonacci em entrevista à Folha,
há uma identificação profunda
entre esses dois personagens.
Ao ouvir do sertanista Sydney
Possuelo, em 1993, a saga do índio errante, o diretor "sentiu-se Carapiru".
"Eu vivia um momento pessoal de contradição afetiva, de
separação familiar, tendo um
filho pequeno, e a história do
Carapiru, que era uma história
bem mais dramática de perda
familiar, mas de reencontro
com um filho após dez anos de
perambulação solitária, continha a esperança de reencontro", diz Tonacci.
Apaixonado pelo caso, o cineasta foi pesquisar e conhecer
seus personagens. Com a ajuda
de uma bolsa da Fundação Vitae, refez o percurso de Carapiru. Disso nasceu a primeira
versão do roteiro.
Ficção
"Era uma ficção com atores,
reconstrução cenográfica, tinha uma pretensão "cinematográfica". E o custo ficou inviável", conta Tonacci. "Cheguei a
esboçar uma versão urbana da
história, mas aí o personagem
de alguma forma era conhecido
demais por todos nós. Vemos
nas ruas, todos os dias, milhares de pessoas cujas vidas foram destruídas."
A solução encontrada foi a de
convencer Carapiru e as pessoas com quem teve contato a
repetir diante das câmeras sua
própria história.
O resultado é um híbrido
inextricável de documentário e
ficção, filmado em película de
35 mm e em vídeo digital, em
cores e preto-e-branco. O propósito das diferentes texturas
foi, segundo o diretor, "obter
uma diferença na percepção do
olhar ou confundi-la para trabalhar subjetivamente com a
dimensão temporal que lhe
atribuímos".
Não é só pela situação de separação familiar que Tonacci se
identifica com Carapiru. Sua
trajetória na cinematografia
brasileira sempre foi singular, à
margem até mesmo do cinema
dito marginal, ao qual ele deu
em 1970 um dos marcos incontornáveis, o legendário "Bang
Bang". Depois dele, o diretor
seguiu novos caminhos, distantes da sala de exibição, mas próximos da vida.
Em 1975 fez o longa documentário sobre teatro "Jouez
Encore Payez Encore", com Vitor Garcia e Ruth Escobar. Dois
anos depois, o longa "Conversas no Maranhão", com os índios canela. Em seguida, dois
programas de uma hora para
TV sobre os arara e "vários institucionais".
"Ao mesmo tempo, com duas
bolsas da Fundação Guggenheim para pesquisa, viajei por
vários países e grupos indígenas das Américas num projeto
que se chamava "A Visão dos
Vencidos". Esse material não
era para ser exibido comercialmente e foi visto por vários grupos indígenas."
"Serras da Desordem" é, de
certa forma, a síntese de toda
essa peregrinação existencial e
estética. "Pensando hoje no
"Bang Bang" e no "Serras", percebo que falo de um mesmo homem que à sua revelia é conduzido pela roda da vida", diz o diretor, que prepara um etnodocumentário sobre benzedeiras
e escreve o roteiro de um longa-metragem sobre o período da
invasão das Américas pelos europeus.
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