São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2008

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CINEMA / ESTRÉIAS

Tonacci flagra homem levado "pela roda da vida"

Em "Serras da Desordem", que estréia hoje, diretor refaz história de índio errante

Cineasta afirma sentir identificação com a história do personagem e traça elo entre o novo filme e o seu clássico "Bang Bang" (1971)

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A história do índio guajá Carapiru, que escapou do massacre de sua aldeia em 1977 e vagou solitário durante mais de dez anos por vários Estados brasileiros, parece não ter nada a ver com a trajetória do cineasta Andrea Tonacci, nascido em Roma em 1944 e radicado no Brasil desde 1953.
Mas, como sugere o próprio Tonacci em entrevista à Folha, há uma identificação profunda entre esses dois personagens. Ao ouvir do sertanista Sydney Possuelo, em 1993, a saga do índio errante, o diretor "sentiu-se Carapiru".
"Eu vivia um momento pessoal de contradição afetiva, de separação familiar, tendo um filho pequeno, e a história do Carapiru, que era uma história bem mais dramática de perda familiar, mas de reencontro com um filho após dez anos de perambulação solitária, continha a esperança de reencontro", diz Tonacci.
Apaixonado pelo caso, o cineasta foi pesquisar e conhecer seus personagens. Com a ajuda de uma bolsa da Fundação Vitae, refez o percurso de Carapiru. Disso nasceu a primeira versão do roteiro.

Ficção
"Era uma ficção com atores, reconstrução cenográfica, tinha uma pretensão "cinematográfica". E o custo ficou inviável", conta Tonacci. "Cheguei a esboçar uma versão urbana da história, mas aí o personagem de alguma forma era conhecido demais por todos nós. Vemos nas ruas, todos os dias, milhares de pessoas cujas vidas foram destruídas."
A solução encontrada foi a de convencer Carapiru e as pessoas com quem teve contato a repetir diante das câmeras sua própria história.
O resultado é um híbrido inextricável de documentário e ficção, filmado em película de 35 mm e em vídeo digital, em cores e preto-e-branco. O propósito das diferentes texturas foi, segundo o diretor, "obter uma diferença na percepção do olhar ou confundi-la para trabalhar subjetivamente com a dimensão temporal que lhe atribuímos".
Não é só pela situação de separação familiar que Tonacci se identifica com Carapiru. Sua trajetória na cinematografia brasileira sempre foi singular, à margem até mesmo do cinema dito marginal, ao qual ele deu em 1970 um dos marcos incontornáveis, o legendário "Bang Bang". Depois dele, o diretor seguiu novos caminhos, distantes da sala de exibição, mas próximos da vida.
Em 1975 fez o longa documentário sobre teatro "Jouez Encore Payez Encore", com Vitor Garcia e Ruth Escobar. Dois anos depois, o longa "Conversas no Maranhão", com os índios canela. Em seguida, dois programas de uma hora para TV sobre os arara e "vários institucionais".
"Ao mesmo tempo, com duas bolsas da Fundação Guggenheim para pesquisa, viajei por vários países e grupos indígenas das Américas num projeto que se chamava "A Visão dos Vencidos". Esse material não era para ser exibido comercialmente e foi visto por vários grupos indígenas."
"Serras da Desordem" é, de certa forma, a síntese de toda essa peregrinação existencial e estética. "Pensando hoje no "Bang Bang" e no "Serras", percebo que falo de um mesmo homem que à sua revelia é conduzido pela roda da vida", diz o diretor, que prepara um etnodocumentário sobre benzedeiras e escreve o roteiro de um longa-metragem sobre o período da invasão das Américas pelos europeus.


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