São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 2006

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Crítica/teatro

Bortolotto faz insolente mergulho no caos urbano

Edson Kumasaka/Divulgação
A atriz Erika Puga em cena do espetáculo "Chapa Quente", em cartaz no Viga Espaço Cênico, em Pinheiros, até domingo, dia 2


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Meu nome é Mário Bortolotto e não existe nada de que eu goste mais do que um pingado e um pão com manteiga depois de uma noite de sinuca." Convidado em maio a escrever na Folha sobre o toque de recolher imposto pelo PCC, Bortolotto não fugiu por nenhuma retórica pseudo-ideológica e auto-celebrativa: estampou uma apaixonada defesa pelas estratégias da sobrevivência cotidiana, em meio à violência e o desespero, como um riso na cara do caos.
Antes de tudo contador de histórias, atento a tudo o que é autêntico, não espanta assim que Bortolotto tenha feito em "Chapa Quente" uma garimpagem na internet dos quadrinhos de André Kitagawa e mobilizado seu grupo Cemitério de Automóveis para encená-los.
São sete narrativas cortadas a canivete, como "losers" de Robert Crumb no traço sintético de Luis Gê, e um humor desesperado de quem sente na pele a falta de sentido do mundo, um universo em que drogas e tiros não são glamour nem denúncia, mas apenas o que se tem para fazer.

Alegria feroz
Mas Bortolotto não usa as crônicas de Kitagawa como mero ponto de partida para sua peça. Apaixonado pela linguagem de HQ, convidou o quadrinista para co-dirigir, ou seja, redesenhar suas histórias com a cara dos atores e projetá-las em telão, para o uso de flashbacks ou fluxos de consciência, enquanto os atores se jogam em caricaturas vivas com uma alegria feroz.
Seria fácil aqui aproximar esse amálgama de quadrinhos, cinema, teatro e rádio com outros exemplos ilustres que se referem a Will Eisner ou Frank Miller.
Mas aqui, a vantagem é que não há gênios a serem estrategicamente homenageados, todos os criadores estão em torno da mesma mesa de sinuca, com uma mesma fé no taco.
Não importa. Entre piadas internas e soluções cênicas sofisticadas, a montagem -sem pretender revolucionar nada- propõe um teatro inaugural, em que rótulos colam mal, como foi, décadas atrás, o "Trate-me Leão", do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone.
Desigual, mas envolvente como sua trilha, "Chapa Quente" é um insolente mergulho no caos, assim como uma noite de sinuca em meio ao toque de recolher.

CHAPA QUENTE    
Texto: André Kitagawa
Direção: Mário Bortolloto e André Kitagawa
Com: Érika Puga, Gabriel Pinheiro, Mário Bortolloto e outros
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às 20h30; até 2/7
Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote Valente, 1.323, Pinheiros, tel. 3801-1843)
Quanto: R$ 20


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