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VANGUARDA
Diretor de "Um Cão Andaluz" e "O Discreto Charme da Burguesia" teve suas origens artísticas na literatura
Luis Buñuel protagonizou um cinema único
JAVIER PÉREZ BAZO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Entre os espanhóis universais, Luis Buñuel (1903-1983)
ocupa um lugar de destaque. Foi
um homem de convicções indeléveis, autor de uma extensa filmografia, artista obcecado por seu
próprio mundo e pela construção
de uma trajetória de extrema originalidade e coerência.
Custa crer que a arte cinematográfica do Buñuel mais jovem
-em "Um Cão Andaluz" (1929) e
"A Idade do Ouro" (1930)- possa ser reproduzida de maneira alterada ou semelhante nos dias de
hoje. Trata-se de um cinema impossível de repetir por múltiplas
razões -fundamentalmente, no
entanto, por ter surgido em um
momento ancorado no contexto
da chamada vanguarda artística
espanhola, nos anos 20 do século
passado, que resultou, para a literatura e a arte em geral, em uma
época de esplendor só comparável, "mutatis mutandis", ao Renascimento e ao Barroco.
"Um Cão Andaluz", que tanto
deve a Salvador Dalí, é uma obra-prima do gênero e certifica a especificidade do surrealismo em sua
vertente cinematográfica; é também a incubadora das obsessões
posteriores do cineasta.
O filme representa uma reviravolta importantíssima no cânone
do movimento impulsionado por
André Breton, mas paradoxalmente foi realizado antes que Buñuel se declarasse surrealista.
Depois veio "A Idade do Ouro",
o "filme do amor louco", que escancarou as portas do cinema sonoro na França e provocou o escândalo do Studio 29. A extrema
direita não pôde suportar tamanha afronta e quis queimar as embarcações surreais da arte nova.
Não se costuma dar o devido
destaque ao fato de que as origens
artísticas de Buñuel são estritamente literárias. Das letras, passou ao cinema. Mas deu seus primeiros passos no movimento
poético ultraísta, uma vanguarda
poética especificamente hispânica. Quis ser escritor e poeta, mas
foi como cineasta que se transformou em uma das figuras mais notáveis da arte do século 20.
É importante destacar a influência que a obra literária de Ramón
Gómez de la Serna, especialmente
suas "greguerías" (aforismos humorísticos), exerceu sobre ele.
Sem esse influxo, dificilmente seria possível compreender a obra
cinematográfica inicial de Buñuel.
É factível praticar, no cinema
atual, um surrealismo à maneira
de Buñuel? Para começar, as técnicas surrealistas seriam vistas
hoje como anacrônicas. Mas o
substrato crítico de seu cinema
(seu sarcasmo, seu simbolismo
reiterativo, a leitura impiedosa da
sociedade) poderia adquirir, em
uma forma evoluída, certa vigência para o mundo de hoje.
A pergunta poderia ser estendida à literatura ou à poesia. A poesia surrealista tem seus paradigmas mais significativos em "Poeta
em Nueva York", de Federico
García Lorca, em "Un Rio, Un
Amor y Los Placeres Prohibidos",
de Luis Cernuda, ou em "Sobre
los Ángeles", de Rafael Alberti.
Mas trata-se, nesses casos, de
um surrealismo poético heterodoxo, um surrealismo que desapareceu quando a poesia optou
pelo compromisso político e
ideológico, durante a Segunda
República e, depois, ao longo da
Guerra Civil espanhola.
No cinema espanhol, Carlos
Saura lembra vagamente Buñuel.
Mais tarde, nos trabalhos de Almodóvar, há quem tenha querido
identificar certa influência das
obras mais surpreendentes de Buñuel, mas acredito que essa apreciação seja própria de uma visão
distorcida pelos espelhos do suposto pós-modernismo.
Buñuel teve influência sobre cineastas posteriores, se bem seja
conveniente recordar que, por
um longo tempo, sua produção
era desconhecida na Espanha, enquanto na França filmes como
"Viridiana" (1961) e "A Bela da
Tarde" (1966) atingiam o sucesso,
e "O Discreto Charme da Burguesia" (1972) se tornava referência
da clandestinidade durante o obscurantismo franquista.
Duvido que venha a surgir uma
ruptura tão radicalmente inovadora e revolucionária como a que
Luis Buñuel executou. Isso não
quer dizer que o cinema espanhol
não tenha atingido uma refinada
maturidade, que, em certos casos,
cruza as fronteiras espanholas e
ganha destaque no cinema internacional. Resta citar nomes. Passo a palavra aos jovens cineastas.
Javier Pérez Bazo é doutor em literatura espanhola na Universidade de Toulouse e especialista em arte e literatura de vanguarda; autor de "Los Andrade:
Tres Poetas Modernistas Brasileños" e
participante da exposição e do catálogo
"Luis Buñuel: Cien Anos"
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